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    Custódia
    Críticas AdoroCinema
    4,5
    Ótimo
    Custódia

    Pai contra mãe

    por Bruno Carmelo

    Começamos em terreno de absoluta igualdade entre Antoine (Denis Ménochet) e Miriam (Léa Drucker). Eles estão diante de uma juíza, discutindo a guarda do filho pequeno. Uma carta é lida, acusando o pai de atos agressivos. A expressão de nenhum deles se transforma. A advogada da ex-esposa traz argumentos sensatos: ela deseja ter a guarda exclusiva porque Antoine é violento e a persegue. A advogada do ex-marido também traz argumentos razoáveis: ele apenas persegue Miriam porque ela faz questão de sumir com o filho, desrespeitando os dias de visita e impedindo chamadas telefônicas.

    Após esta cena, o filme volta no tempo para mostrar o que ocorreu até ali. O diretor Xavier Legrand se esforça em apresentar ao espectador uma série de situações cada vez mais fortes de conflito familiar. Ao invés de começar dizendo quem está certo ou errado, deixa que o público descubra, por si só, como funciona a dinâmica entre os personagens. Por isso, Custódia propõe uma estrutura fragmentada, escolhendo perfeitamente o que mostrar e o que sugerir: o cineasta demonstra excelente medida entre a violência filmada e aquela insinuada ao espectador.

    Outro mérito da produção é a humanização dos personagens, mesmo numa situação unilateral como a de um relacionamento abusivo. Não existem vítimas ingênuas ou vilões tirânicos neste caso, apenas sobreviventes e pessoas desequilibradas emocionalmente. Percebe-se, na direção dos personagens, o esforço em fazer com que todos apresentem nuances, oscilações típicas de um longo relacionamento. Os instantes de convivência se alternam com momentos de descontrole, ambos orbitando ao redor do excelente ator mirim Thomas Gioria, misto de criança assustada e pré-adolescente astucioso, capaz de questionar a ordem vigente. A complexidade humana proposta por este roteiro é impressionante.

    O diretor iniciante se revela particularmente hábil na construção estética. A longa cena da festa é muito bem trabalhada em termos sonoros: os diálogos são abafados pela música alta, no entanto, as expressões graves nos rostos permitem compreender exatamente o que está acontecendo ali. O instante da banheira, de profundo impacto emocional, é construído através de uma escalada asfixiante de ações violentas. A cada nova cena, o público se surpreende com aqueles personagens que pareciam incapazes de tais gestos. Como em muitas uniões nas quais se descobre um lado impensável da pessoa amada, o espectador também é convidado a se chocar com as figuras tão humanas do início do filme. Somos posicionados dentro do âmbito familiar, como se fôssemos moradores da casa ao invés de voyeurs observando o caos de fora.

    Por fim, Custódia efetua uma alternância preciosa de pontos de vista: seria óbvio ficar apenas do lado dos sofredores, seria compreensível tentar dividir o tempo entre o pai e a mãe. Legrand encontra uma solução ainda mais ambiciosa ao se colar ora ao filho pequeno, ora ao pai, ora à mãe, ora à filha, numa alternância de aparente aleatoriedade, porém precisamente calculada para a progressão do suspense. No final, não existem monstros, e sim pessoas doentes, possessivas, que distorcem a noção de amor. O belíssimo filme francês retira dos relacionamentos abusivos a sua aura de fetichismo, de “excesso de amor” para revelar a gravidade do desmoronamento afetivo.

    Filme visto na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2017.

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    Comentários

    • Ze
      Vi o filme e não entendi a referência da crítica a uma volta no tempo para mostrar o que ocorreu até ali...
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