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    Lobo e Ovelha
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Lobo e Ovelha

    Histórias de pastores

    por Bruno Carmelo

    Num vilarejo afegão, são as crianças que cuidam dos rebanhos de ovelhas da família. Cada menino ou menina é responsável por uma dúzia de animais, passando o dia inteiro na função do pastoreio. Mas eles também desempenham atividades infantis, marcadas pela segregação de gênero: enquanto os garotos abandonam as ovelhas para brincar de estilingue, as garotas sonham com seus casamentos e com a constituição de família.

    A sinopse oficial de Lobo e Ovelha insiste na separação total de homens e mulheres, assim como na chegada perturbadora da garota Sediqa à região. No entanto, nenhum desses elementos é tão demarcado no resultado final. Em registro semidocumental, a diretora Shahrbanoo Sadat filma o cotidiano dos pastores mirins, através da câmera livre, muito próxima de seus rostos e corpos. Nenhum dos atores parece intimidado pela presença da filmagem, transmitindo uma interação verossímil, repleta de provocações, palavrões e jogos lúdicos.

    Apesar da aparência de despojamento formal, percebe-se o cuidado na construção dos planos, na fotografia impecável e no ritmo das cenas. Sem chamar atenção para si mesma, a direção serve à história de maneira a ressaltar as suas cores e evitar traços de julgamento - seja pelo heroísmo ou pelo miserabilismo. As brincadeiras entre as crianças, que ocupam dois terços da narrativa, constituem o ponto mais forte desta grande produção, feita em parceria entre Afeganistão, França, Dinamarca e Suécia.

    Os laços tornam-se menos interessantes quando os adultos entram em cena. Os pais, personagens menos desenvolvidos que os filhos, comunicam-se com falas explicativas, desprovidas da espontaneidade dos demais momentos. Cabe a eles demonstrar medo pela presença de um lobo que ameaçaria os rebanhos. Talvez por se encarregarem da parte mais explicitamente roteirizada, os adultos ficam presos ao texto, e a câmera de Sadat não consegue se mover com a mesma liberdade - vide na cena, pouco expressiva, de mulheres refletindo sobre a morte de um habitante.

    Outro elemento questionável é a presença fantasmática de uma mulher nua, com os cabelos tão longos que lhe cobrem o rosto e as costas inteiras. Esta figura colorida, brilhando no escuro, caminha pelas planícies como uma ameaça silenciosa - seria ela uma representação do lobo? Da chegada de Sediqa? Por mais interessante que seja produzir um ruído através da inserção de um elemento mágico numa estética realista, a metáfora da mulher brilhante carece de desenvolvimento. O mesmo vale para o falso lobo, na verdade um humano vestido com uma fantasia do animal.

    Com suas liberdades criativas, Lobo e Ovelha constitui uma fábula que se posiciona do lado das crianças em detrimento dos adultos. Sadat prefere as regras fluidas da infância, por mais violentas que sejam, à vida de matrimônios forçados e de autoridade masculina. Pelos belos momentos em que as crianças correm nas planícies e se expressam com uma vulgaridade desprovida de amarras sociais, o filme demonstra o talento da cineasta.

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