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    Lampião da Esquina
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Lampião da Esquina

    O documento pop

    por Bruno Carmelo

    Durante a ditadura militar, um grupo de jornalistas, atores, críticos e pensadores homossexuais decidiram que não deveriam mais ocultar sua orientação sexual na mídia. Para isso, criaram o jornal Lampião da Esquina, anárquico e debochado, no qual tratavam de temas tabus como a transexualidade, a prostituição masculina, as orgias etc. A diretora Lívia Perez percorre os principais passos da criação da revista: o encontro dos autores, a decisão do título, as primeiras dificuldades de impressão e distribuição.

    O maior trunfo do filme é a qualidade dos depoimentos extraídos de figuras fundamentais ao cenário cultural da época, como Ney Matogrosso, João Silvério Trevisan e Aguinaldo Silva. Eles expõem os fatos, mas também emitem reflexões pertinentes sobre o conservadorismo da época, as brechas na censura e o papel de libertação representado por um veículo dedicado aos gays, lésbicas e transexuais. Os entrevistados partem do Lampião para efetuar um panorama rico dos costumes de um país em transformação.

    A diretora, no entanto, não vai muito além dos questionamentos oferecidos pelos próprios redatores do jornal. Ela não pesquisa em profundidade os meios financeiros que permitiram a distribuição do Lampião em todo o país - sabe-se que Aguinaldo Silva financiava parte da publicação sozinho, mas e o resto? - não questiona o papel marginal destinado às mulheres e aos transexuais no corpo editorial, nem busca documentos que atestem os embates do governo ditatorial com a revista.

    Rumo ao final, no entanto, Lampião da Esquina começa a expor as crises internas entre os redatores, os diferentes pontos de vista políticos e jornalísticos que levaram à falência do grupo. É neste momento que o filme se torna mais forte, quando permite ver a revista como um organismo vivo, composto por vontades contrárias, ao invés de uma publicação unicamente positiva e revolucionária como se pretendia até então. Quando o documentário interrompe a homenagem ao Lampião para observar seu mecanismo, a obra cresce em força e interesse.

    É uma pena que o conjunto seja seriamente comprometido pela montagem. Buscando um estilo pop e ágil, o montador picota os depoimentos a todo instante, insere animações, vinhetas e recortes dentro de fotografias, ordenando as falas por afinidade temática ao invés de deixar os entrevistados desenvolverem suas ideias. Como resultado, raramente uma imagem dura mais de dez segundos em tela antes de ser cortada, sobreposta por sons, animações, música.

    A montagem parece não acreditar no potencial da própria imagem, precisando enfeitá-la, decorá-la para disfarçar a simplicidade dos talking heads. É nestas horas que se percebe a falta do silêncio, ou apenas da duração das imagens, numa obra de teor reflexivo. Como documento histórico, entretanto, Lampião da Esquina cumpre o seu papel ao destacar a importância das mídias alternativas, tão essenciais na ditadura militar quanto no conturbado cenário político atual.

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