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    Saudade
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Saudade

    Inquietação humana

    por Francisco Russo

    "Saudade é ser, depois de ter."

    A frase de Guimarães Rosa, que encerra Saudade, pode até ser apontada como uma síntese sobre o sentimento que dá nome ao filme, mas não sobre o longa-metragem. Em pouco mais de 70 minutos, o diretor Paulo Caldas delineia as variações acerca do tema a partir de entrevistas, que esmiuçam não só sensações mas também vivências. É através deste cenário multifacetado que se monta um caleidoscópio que tem como elo central um único ponto: a língua portuguesa.

    Partindo do fato de que saudade é uma palavra existente apenas na língua pátria, Caldas e sua equipe mergulham na história para justificar, de certa forma, a melancolia existente no povo português, cuja representação maior está no fado. Da nostalgia ao passado glorioso, decorrente das navegações, à distância do lar devido à formação de um povo de migrantes, Portugal e Brasil trazem em sua essência tal sentimento que também os define, justificando etimologicamente a existência de tal palavra. Entretanto, Caldas quer ir além da mera explicação didática, usando tal artifício apenas como pontapé inicial em sua investigação particular.

    É interessante notar que, por mais que o diretor busque pessoas ligadas ao meio artístico, devido à sensibilidade intrínseca à profissão, tal norte não é também uma espécie de prisão. Dentre músicos, poetas, cineastas e escritores, há também historiadores, comerciantes e arquitetos. A busca por uma pluralidade escancarada é benéfica não só pelos depoimentos dados, mas também por ressaltar que a saudade não é um sentimento de nicho, exclusivo. É na variedade apresentada que Saudade, o filme, busca tal amplitude sensorial que une a todos pelo sentimento existente, independente da língua dita.

    Para tanto, Caldas estabeleceu um formato bastante elegante ao documentário: fotografia clean em belo trabalho de Pedro Sotero, depoimentos serenos ora analíticos ora tendendo a uma emoção represada, uma abertura singela e bonita, sempre ao som de trilha sonora suave que, nem sempre, se atém ao fado. Tal condução é essencial para a imersão no longa-metragem, não propriamente para compreender o sentimento - bem ou mal, intrínseco a todos nós - mas especialmente por mergulhar naquele relato tão único, que revela também um pouco de seu próprio histórico. Somos também o que vivemos, e Saudade capta isto muito bem.

    Delicado e poético, Saudade é um documentário sensível que foge da obviedade acerca do tema para investir nas pessoas. Se nos relatos é possível encontrar subtemas tão interessantes, quanto a condição metafísica do homem ou o descarte de emoções e pessoas nos corridos dias atuais, é na emoção subentendida que está seu maior trunfo.

    Filme visto na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2017.

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