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    Maya
    Críticas AdoroCinema
    1,5
    Ruim
    Maya

    Mulher-remédio

    por Taiani Mendes

    Está sem energia para viver e traumatizado? Vá para a Índia e conquiste uma jovem! É tiro e queda para a recuperação da confiança de um homem. A dica é de Mia Hansen-Løve, que em Maya narra o desconforto pós-traumático de Gabriel (Roman Kolinka), repórter de guerra que acaba de ser resgatado pelo governo francês após meses aprisionado pelo ISIS na Síria. Como em O Que Está Por Vir, a cineasta tem um protagonista flagrado em momento de transição forçada. Enquanto no ótimo drama de 2016 a professora vivida brilhantemente por Isabelle Huppert encarava a perda do emprego, o fim do casamento e a doença da mãe, aqui Gabriel tem família, namorada e trabalho à disposição, mas abre mão de tudo para se refugiar em Goa.

    Magro e machucado, o trintão não está eufórico nem deprimido, diagnostica o médico, mas definitivamente não encontra-se normal depois da experiência como refém. Um colega que ficou para trás o preocupa e ele não aceita se abrir, afirmando-se um homem de ação, não palavras, e por isso registrado sempre em movimento pela fotografia luminosa de Hélène Louvart.

    Mia filma com propriedade esse drama do não saber o que fazer com a segunda chance de vida, e o que Kolinka melhor dá conta é da (in)expressão de infelicidade e vazio, porém o longa-metragem logo fica esquisito quando entram em cena a personagem-título e sua família. Em interações extremamente desconfortáveis - tanto pela incapacidade dos atores de convencerem, quanto pela precariedade do texto que falam -, Gabriel passa a se dividir entre os chatos desabafos políticos e econômicos do padrinho (Pathy Aiyar) e conversas “profundas” com sua perfeita filha que estudou em Londres, Maya (Aarshi Banerjee).

    Quem ainda não tinha percebido o que está marcado para acontecer é avisado pelo companheiro de trabalho (Alex Descas) de Gabriel, que diz com todas as letras que ele precisa encontrar alguém para recuperar a disposição e voltar à ativa. O jornalista ainda preserva o comportamento errático, o constante desgosto e sinais claros de desequilíbrio, como discutir guerra na balada, mas os encontros com Maya vão ficando cada vez mais frequentes e as investidas da moça, óbvias. Gabriel, no entanto, se mostra mais temeroso do que desejoso, o que, somado à falta de química da dupla e aos patéticos flertes, condena o relacionamento a jamais decolar. Mia, no entanto, tem uma história de superação para contar e força o casal para “curar” o seu protagonista, como se não fosse uma coisa horrível.

    Love só no nome da diretora mesmo, pois o que ocorre em Maya é uma piada de mau gosto e por fim um espetáculo de pieguice. Totalmente desrespeitoso com a mulher que batiza o filme, usada como um objeto, o roteiro estabelece os fatos em 2012, mas parece de meados do século passado. A talentosa Mia não tinha qualquer necessidade de se prestar a esse papel e submeter os espectadores a isso, pois o sorriso sincero de Gabriel reaparece nas interações com as carismáticas crianças da vizinhança e os conflitos envolvendo a mãe e a casa seriam suficientes para agitar seu tempo de reflexão e levá-lo a repensar suas atitudes e aspirações, configurando uma jornada pessoal sobre incomunicabilidade sem detrimento do papel feminino. "Sou um repórter de guerra", ele brada. Me explica então essa bomba, eu solicito.

    Filme visto na 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2018.

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