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    Ana, Meu Amor
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Ana, Meu Amor

    A psicanálise do casal

    por Bruno Carmelo

    Ana (Diana Cavaliotti) e Toma (Mircea Postelnicu) discutem filosofia. Os estudantes tentam se concentrar na conversa sobre Nietzsche enquanto dois colegas fazem sexo no quarto ao lado. Os sons altos atrapalham a discussão. “Ela está fingindo”, Ana avisa. A atração entre os protagonistas é inevitável, assim como a vontade de analisarem um ao outro. O filme acompanha, ao longo de muitos anos, a aproximação entre eles e o desgaste natural devido o convívio.

    No início, podemos pensar que o conflito principal se encontra na debilidade psíquica de Ana, vítima de frequentes ataques de pânico. Por isso, o casal limita o tempo passado com os amigos. Após episódios de tensão com as respectivas famílias, evitam igualmente o contato com os pais. Eles se isolam numa rotina de cumplicidade e carinho mútuos, mas também de inevitável esgotamento. Mesmo assim, a culpa não pode ser resumida à condição de Ana: descobrimos o desejo de controle exercido pelo namorado, que talvez persista no relacionamento destrutivo por gostar de ter uma parceira dependente dele.

    O diretor Calin Peter Netzer, de Instinto Materno, volta à temática dos relacionamentos amorosos nocivos, de forte conotação psicanalítica. Entram em cena terapeutas para ele e para ela, enquanto revelações fornecem pistas de interpretação sobre as atitudes de cada um, devido aos traumas na infância e às configurações particulares de suas famílias. O drama nunca é determinista a ponto de afirmar que ambos devam suas atitudes exclusivamente ao passado, porém sugere que estes elementos devem sejam levados em consideração para compreendê-los.

    Para balancear o peso verborrágico da trama, Ana, Mon Amour dedica-se a uma estética ultrarrealista, com a câmera na mão colada aos rostos durante 90% do filme, acompanhando cada gesticulação com luz natural e mixagem de som imperfeita, “suja”, mais realista do que propriamente clara. Cenas cômicas – o jantar com os amigos, a confissão ao padre - contribuem para suavizar o tom depressivo do conjunto. Completando a aparência naturalista, Netzer inclui momentos de nudez e de sexo quase explícito, justificados pela intenção de desmistificar os tabus. Enquanto todos os desejos e traumas são revelados pela dupla central, não faria sentido que o filme se retivesse na representação do sexo. Felizmente, ambos os atores estão muito confortáveis em seus papéis, trabalhando os diálogos com uma espontaneidade próxima do improviso.

    Apesar das tentativas de esclarecimento, os segredos se acumulam entre Ana e Toma. Na primeira parte, a história é contada através de elipses curtas, pulando entre dias e semanas na vida do casal. Na segunda parte, os saltos temporais são maiores: ficamos distantes dos personagens durante anos, revendo-os quando adotaram aparências diferentes e sofreram mudanças importantes em suas vidas. Aos poucos, o roteiro abandona a dupla central, ao passo que um se distancia do outro. A câmera também se afasta dos rostos, como se a reconciliação fosse impossível.

    Esta é a parte mais triste, e também a mais fraca do filme, por frustrar um interesse cuidadosamente construído na primeira metade. Para compreender o que aconteceu neste período de ausência, não podemos mais recorrer aos fatos mostrados na tela, apenas às confissões de cada um a terceiros. A história passa à voz indireta, torna-se mais formal e também menos naturalista. É quando entram em cena os sonhos, os atos falhos, as possibilidades de que alguns eventos vistos pelo espectador não tenham se passado exatamente daquela maneira.

    Netzer inicia seu projeto no realismo extremo, na vontade de colar o espectador à pele dos personagens. Aos poucos, personagens e câmera se repelem. Talvez esse seja o maior conflito: não o de Ana com Toma, e sim da narrativa com o espectador. Ana, Mon Amour se conclui de modo belo, hermético, com uma porta fechada. O espectador fica de um lado, os personagens do outro. Nem sempre a superação dos conflitos se opera pela união.

    Filme visto no 67º Festival de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2017

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