Minha conta
    O Parque
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    O Parque

    Sonho de um romance de verão

    por Rodrigo Torres

    Foi-se o tempo em que a produção francesa que chega ao circuito brasileiro era sinônimo de autoralidade e até mesmo qualidade. Mas O Parque se alinha ao conceito de outrora sobre o cinema da França. Por um lado, soa até esquisito que — aos 35 anos, em seu sexto filme e segundo longa-metragem — Damien Manivel dedique 40 minutos de (sua curta) projeção a um argumento tão tímido, equivalente a um trabalho de conclusão de curso, e um bocado entediante. Pois na segunda metade essa proposta se torna ainda mais radical, então revelando outro viés, surrealista, e que seu aparente acanhamento na verdade escondia patente ambição.

    Um jovem casal caminha, conversa, bebe água e faz outras trivialidades comuns a um romance que se desenrola em um parque urbano, no meio do dia. Naomie Vogt-Roby e Maxime Bachellerie são seus nomes na vida real e na ficção, assim como (por ora) toda a forma do filme investe no naturalismo. Neste sentido, nem mesmo a busca de uma referência no cinema provocante de Hong Sang-Soo encontra lastro, haja vista as constantes correções de quadro impressas na fotografia pelo cineasta sul-coreano. Logo, porém, o texto de Manivel e sua corroteirista frequente Isabel Pagliai encontra a sagacidade e a ironia dessa referência possível. Quando a noite cai...

    O término abrupto de Maxime com Naomie comunica perfeitamente a total ruptura de O Parque. Trocas de mensagens invadem a tela, provocando na ordem formal estabelecida a mesma tensão que de repente surge entre o casal. Diante de uma resposta cafajeste de Maxime, Naomie o xinga. E decreta: "Eu só queria voltar no tempo." Catatônica, começa a andar de costas. E assim, à noite, o filme se reconstrói. Num contraponto tão drástico quanto o sol e a sombra, tão lúdico quanto o lugar da floresta no coração da cidade. A figura robusta e negra de Sobéré Sessouma como segurança do parque sentencia o novo rumo da história, vertida em fábula à la Apichatpong Weerasethakul.    

    A invasão surrealista em O Parque é um convite a repensar tudo que veio antes como uma grande metáfora. Seja sobre relacionamentos, com o cair da noite (como em Antes da Meia-Noite) voltando a comunicar as atribulações típicas de uma relação a dois, e a passagem de apenas um dia refletindo a fugacidade de um romance na juventude e lançando uma ironia sutil à intensidade de uma decepção nessa fase da vida. Como também pelo retrato (imediato) do segurança do parque como um africano gentil e bonachão suscitar uma reflexão sobre a situação dos imigrantes na Europa, e especialmente na França — oásis progressista do mundo ocidental ameaçado por uma onda conservadora que semeia xenofobia.

    Mas Damien Manivel se revela pouquíssimo satisfeito em proporcionar uma experiência escapista feel good e conduz a narrativa de O Parque em uma progressão ambígua, sinistra, capaz de transfigurar o olhar conciliador de Sobéré Sessouma em uma expressão macabra e, no instante seguinte, vertê-lo em presa. Assim, um romance minimalista insosso se transforma e se consolida como um jogo de sensações intensas, com duas fíguras muito díspares e um ambiente naturalista soturno sufocando o espectador em uma atmosfera de puro truque, que confunde e esconde o mais óbvio dos desfechos.

    E isto não é um problema, e sim uma virtude. Afinal, a narrativa tradicional que se apresenta na primeira metade é mera escada para a experiência sensorial que encerra O Parque e habita a essência do surpreendente trabalho de Damien Manivel.

    Quer ver mais críticas?

    Comentários

    • Gabriel Vince
      Eu deveria ter feito o mesmo
    • Gabriel Vince
      Meu Deus, esse filme é CONSTRANGEDORAMENTE ruim. Antes o diretor se limitasse à pequena fugacidade do amor adolescente nos primeiros minutos de filme do que tentar alçar vôos mais audaciosos.A sequência surrealista do filme me fez mais soltar risos involuntários e ficar com vergonha alheia do que um chamado à reflexão de qualquer tipo.O filme não oferece nada além de evidenciar a infinita capacidade do cinema independente em oferecer lixo com verniz intelectual.
    • Rodrigo Torres
      Ensinamento um tanto óbvio, não?!Para o leitor que deseja preservar a experiência, a nota é o melhor guia. O site também dispõe de sinopse, trailer... outros indicativos sobre se assistir ao filme ou não. A crítica existe como um aprofundamento da obra. É diferente de uma resenha do tipo gostei/não gostei. Pense nisso e você verá que é impossível versar sobre as qualidades de O Parque sem, infelizmente, tocar em seu ponto de virada, no contraponto que define o filme em seu aspecto mais básico.Digo isso porque, além de crítico, também sou leitor. Leio bastante sobre cinema, até a trabalho. Se vejo que o texto irá além do desejável para as minhas exigências em termos de preservação da experiência (que são bem altas), paro ali e volto ao texto após assistir ao filme. Eis o meu ensinamento para a vida. Mas acho que nem precisava explicar isso. Ou que O Parque nem é o tipo de filme baseado nos segredos da trama.Neste sentido, aliás, eu diria que entendo o fato de você não ter gostado. É mesmo um filme difícil, de construção individual de sentido (por isso, insisto, seria impossível criticar O Parque sem tocar nos pontos citados, que são fundamentais), do tipo que exige do espectador uma dedicação maior e postura ativa. Vai do olhar de cada um e apreço por esse tipo de proposta. Eu gosto. E respeito quem não gosta.Abraço.
    • adriano
      Parabéns pela critica cheia de spoilers , não leia a critica antes de ver filme , esse é o ensinamento do dia, você vai assistir o longa classificado como 4 estrelas pensando em ver algo fora da curva, e realmente encontra um filme fora da curva , infelizmente, ele está fora, mas, descendentemente. Contraposições, dualidades, repetições, talvez estejam mais próxima da realidade do filme, um espectador cru como eu na 7°arte pode sentir dificuldade com a morosidade no passar de quadros , o filme é um convite a concentração , se na primeira parte você é um mero espectador , na segunda parte o diretor vai pro tudo ou nada , ele te confronta olho no olho e testa sua reação, como se perguntasse : - e ai ta vendo pensou que sabia o que estava rolando ? Desolé , sabe de nada amiguinho , a película vale a pena ser vista por descomprimir da correria cotidiana, para reflexão do que você faz com o seu tempo, entre uma cena e outra da pra pensar na pirraça feita para sua mãe quando você tinha 4 anos de idade e voltar para mesma cena, pois a outra ainda não se iniciou. Dou 2,5 estrelas .
    • Aprigio Nogueira
      Depois de uns 30 anos saí do cinema antes da primeira hora de filme. Foram os 45 minutos mais insuportáveis dos últimos tempos. Planos fixos do mais puro tédio e monotonia. Linguagem nem original, nem significativa, apenas sonolenta.
    Back to Top