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    Para Ter Onde Ir
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Para Ter Onde Ir

    No mesmo carro

    por Taiani Mendes

    É de sentir o cinema de Jorane CastroPara Ter Onde Ir por muito tempo é tão aberto – no sentido de sem limites expostos, impreciso – quanto seu título. Três mulheres dividem a tela e uma viagem sem destino exposto ao expectador. São apresentadas individualmente e as relações não são claras, ainda que o ponto de partida de cada uma e a organização dentro do veículo indiquem certos níveis de poder.

    Eva (Lorena Lobato), a protagonista, detém o meio de transporte e uma pressa que o filme rejeita desde a abertura. É dado o tempo da chuva chegar, da localidade se caracterizar, do som se espalhar, das ações se concluírem, das personalidades se mostrarem, dos objetivos serem compreendidos. A inquietude de tentar desvendar a dinâmica do grupo é deixada de lado quando o jogo de categorizar cada uma ganha graça. Pelos diálogos – às vezes engessados, mas sempre com dados novos sobre as personagens – se nota que Eva representa/é movida pelo profissionalismo, Melina (Ane Oliveira) traz a sexualidade e Keithylennye (Keila Gentil) a família.

    Prioridades à primeira vista opostas iniciam discussões que acabam convergindo em questões intrinsecamente humanas, como a solidão e o amor, de modo não forçado. Jorane esporadicamente entrega registros que parecem cumprimento de itens obrigatórios da cartilha do cinema independente nacional – a briga não filmada com o som abafado pela (mãe) natureza imponente, por exemplo –, mas, de modo geral, Para Ter Onde Ir é uma obra simples e bem feita, fortemente autoral sem cair no hermetismo, que usa e fantasia lugares a partir da impermanência.

    Há a referência óbvia a Abbas Kiarostami, tanto pela forma como o tempo é trabalhado quanto pelas sequências de carro, com os famosos reflexos; e uma mudança quase que completa de estilo quando a festa de aparelhagem entra em evidência, “alterando os polos” em favor de Keithy. Pelo olhar da diretora e do fotógrafo Beto Martins, o tecnobrega que pulsa pela batida e pelas luzes flerta com a arte da obra Estás Vendo Coisas, de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca, e recupera o clima de disputa explorado no longa Amor, Plástico e Barulho, de Renata Pinheiro. Ambos, no entanto, registros de Recife, enquanto aqui o ritmo intenso é retratado em sua fonte, o Pará.

    Keila Gentil, ex-integrante da Gang do Eletro, com facilidade rouba a cena quando sobe no palco, mas é eficiente também fora dele, se destacando mesmo sendo a menos ouvida do trio e especialmente cativante ao interagir com crianças, ao passo que Lorena Lobato consegue tornar de certa maneira atraente a instabilidade de Eva. As duas mais Ane Oliveira marcam bastante as diferenças do trio, inclusive nas expressões corporais, e o figurino cumpre também papel fundamental.

    Atos e palavras ressaltam que elas não estão na mesma frequência, mas movimentos circulares desmentem. Símbolo da fertilidade e da transformação, a água se faz sempre presente e as conecta individualmente (corpo e mente) e como grupo por fim, unindo-as como o desejo e a busca que as mantêm em movimento. O feminino tem dessas coisas indizíveis.

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