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    Morte em Sarajevo
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Morte em Sarajevo

    Como começam as guerras

    por Bruno Carmelo

    “A história se repete, a primeira vez como tragédia, e a segunda como farsa”. A frase de Karl Marx serve para refletir sobre esta releitura tragicômica dos fatos que levaram ao início da Primeira Guerra Mundial. Parte-se de uma premissa realista: em Sarajevo, um evento decide relembrar o assassinato do arquiduque Francisco Fernando pelas mãos de Gavrilo Princip, e a posterior construção da União Europeia como ferramenta de manutenção da paz no continente.

    Para isso, três eventos ocorrem simultaneamente: no terraço de um hotel, uma repórter bósnia conversa com entrevistados sobre os eventos de 1914 para um programa de televisão; dentro do hotel um gerente tenta impedir que os funcionários descontentes iniciem uma greve diante da mídia internacional; e no quarto mais luxuoso do prédio, o ator Jacques Weber se prepara para uma encenação sobre o início da primeira grande guerra. As três subtramas ocorrem em elevado nível de tensão: a entrevista toca em temas cada vez mais polêmicos, o hotel teme revelar sua precariedade financeira e o ator não consegue achar o tom correto em seu ensaio solitário.

    O diretor Danis Tanovic, do acadêmico Terra de Ninguém e do ultrarrealista Um Episódio na Vida de um Catador de Ferro Velho, se arrisca numa crônica histórica corrosiva. Os personagens discutem abertamente as circunstâncias do atentado de 1914, citando os problemas políticos e sociais específicos a Sarajevo, à Bósnia e à Sérvia, ao fim da Iugoslávia. Fala-se demais, aliás: a longa reportagem televisiva cita dezenas de nomes e fatos talvez pouco acessíveis ao público amplo, enquanto o discurso verborrágico do ator em seu quarto repete uma ideia única (“é preciso defender a Europa”) sem desenvolvê-la.

    Talvez o didatismo de Morte em Sarajevo seja o aspecto mais incômodo do projeto. O roteiro com vocação à fábula apresenta uma irônica dificuldade em trabalhar com metáforas – é preciso que entre em cena um personagem literalmente chamado Gavrilo Princip, no edifício batizado convenientemente Hotel Europa. O maniqueísmo também se acentua, de modo a perder o humanismo dos personagens: o diretor do hotel é visto cada vez mais como um crápula, face à gerente e à lavadeira exploradas. O encontro entre uma bósnia e um sérvio é tratado como uma guerra sem fim.

    Apesar da falta de sutileza do material, Danis Tanovic encontra uma estrutura estética eficiente. Como a história inteira se passa dentro do mesmo prédio, ele adota a câmera fluida, em steadycam, acompanhando os personagens andando ou correndo pelos corredores, escadas e quartos. À medida que a tensão aumenta, a montagem se acelera, alterna entre histórias paralelas de fato a cortá-las pouco antes de alguma revelação, como nos livros de suspense separados em capítulos. O ritmo, portanto, é frenético, valorizado pela fotografia e direção de arte detalhistas.

    Entretanto, ao tratar da Primeira Guerra Mundial, seria interessante se o projeto investisse em formas de representação menos evidentes. O ponto de vista político, pelo menos, pretende ser equilibrado, dando voz a todas as interpretações – embora uma alteração significativa nos rumos de Gavrilo Princip possa incomodar alguns espectadores. Mas o desfecho é suficientemente aberto a discussões. Na incitação, mesmo que polêmica, ao debate histórico, o filme encontra seu valor.

    Filme visto na 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2016.

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