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    Os Habitantes
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Os Habitantes

    As particularidades do cidadão comum

    por Bruno Carmelo

    O ponto de partida deste documentário é simplíssimo: o diretor Raymond Depardon viaja por diversas regiões da França em seu trailer, para “ir ao encontro dos franceses”. Desde a primeira cena, ele apresenta seu dispositivo: nada de perguntas, nada de interação com os anônimos encontrados na rua. Ele estaciona o veículo em alguma praça, convida uma dupla qualquer para se sentar, e então elas conversam um com o outro diante das câmeras, enquanto o ritmo cotidiano das ruas se desenrola ao fundo.

    Depardon afirma buscar os sotaques e maneiras específicas de cada parte do país. Ele aposta na diversidade geográfica, mas também social: as duplas contêm homens e mulheres, jovens e idosos, brancos, negros e árabes, casais, amigos, duplas de pais e filhos. As conversas espontâneas, provavelmente obtidas depois de as pessoas se acostumarem à presença da câmera, discorrem sobre temas universais como relacionamentos partidos, solidão, dificuldades financeiras, amores não correspondidos, ambições profissionais, diferenças entre gerações.

    Os Habitantes efetua uma mistura potente entre o particular e o universal, entre o controle e a espontaneidade, ou ainda entre a pretensão artística e a aparência de despretensão. A ambição sociológica deste filme é quase utópica de tão ampla, porém seu mecanismo de estímulo às conversas beira o amadorismo. O cineasta francês sempre foi apaixonado pelos registros orais e pela aproximação com cidadãos comuns como forma de registrar tempos e espaços. Sua filmografia representa o sintoma de uma época, e esta obra reafirma a vontade de extrair da banalidade uma espécie de essência da França no século XXI.

    Esteticamente, o projeto é menos ingênuo do que aparenta. Colocando cada personagem nos terços exatos do enquadramento, o filme sugere uma impressão de simetria, ressaltando como cada metade das duplas se parece com seu interlocutor em termos de vestuário, vocabulário, modo de vida, sem perceberem o seu pertencimento a um grupo socioeconômico muito específico. Além disso, o fato de estarem em um local público, mas cortados dos arredores pelo ambiente interno do trailer, promove uma sensação de intimidade e privacidade para discutirem o que quiserem. Para completar, o fato de todos terem exatamente o mesmo cenário reforça a impressão de tratamento igualitário.

    A edição de Os Habitantes serve de trunfo para a veiculação do discurso. Sem incluir narrações nem cartelas, sem ter personagens falando diretamente para a câmera nem apresentações formais de qualquer tipo – o espectador descobre se os anônimos são amigos, familiares ou amantes apenas por suas falas – Depardon desenvolve conversa após conversa uma sensação de vazio, de desencantamento. As pessoas dialogam com mais frequência sobre seus problemas do que suas conquistas. Logo após mencionarem sonhos para o futuro, retornam às dificuldades do presente. O documentário sugere uma França diversificada em etnias e opiniões, porém unificada pela melancolia democraticamente distribuída – algo que talvez sirva bem ao país europeu, mas também a muitos outros mundo afora.

    Filme visto na Mostra Depardon Cinema, em janeiro de 2018.

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