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    Banco Imobiliário
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Banco Imobiliário

    Retrato de exceção

    por Bruno Carmelo

    O crescimento desordenado das cidades tem despertado aberrações no mercado imobiliário. É cada vez mais comum criar ilusões para atrair novos compradores: o material publicitário transmite uma atmosfera de sonho, os apartamentos decorados têm cheiro de chocolate, a apresentação de novos imóveis é regada a uísque, o ideal do mercado é comprar todas as casas dos bairros e transformá-las em gigantescas torres, em nome da modernidade.

    O documentário Banco Imobiliário, primeiro longa-metragem de Miguel Antunes Ramos, capta essa situação com um olhar afiadíssimo à voracidade dos corretores e empresários. Os casos insólitos se sucedem em tela com uma montagem vertiginosa, provocando estranhamento cômico: diversas cenas sobre a promoção de imóveis e estratégias de venda levaram o público às gargalhadas. O filme é muito agradável se de ver, algo notável diante dos temas espinhosos da especulação imobiliária e da verticalização das cidades.

    O cineasta busca acima de tudo as exceções: ele retrata apartamentos luxuosos demais ou pequenos demais, vídeos de promoção de imóveis excessivamente sentimentais ou tecnológicos, eufemismos nas estratégias de venda que beiram a piada – um corretor inclusive investe em palavras com erros de português para seduzir mais compradores na Internet. Esta é a crônica didática de uma anomalia, que não se preocupa com a situação cotidiana envolvendo imóveis médios e pessoas médias. Conversa-se com chefões do marketing e vendedores ávidos pelo negócio, todos plenamente crentes nos benefícios da especulação e na eficácia deste mecanismo comercial.

    Ora, mas como se comporta o mercado comum? Aquele do dia a dia, aquele que não vende varandas gourmet nem imóveis “compactos” de 18m²? Banco Imobiliário evita situações que não se prestem ao espetáculo: não existem entrevistados críticos ao sistema (eles são, no melhor dos casos, coniventes), não se busca compradores e moradores destas casas – com uma única exceção -, não se aborda a vida das pessoas que moram ao redor das novas torres, moradores que já tiveram propostas para vender suas casas às construtoras, ou operários que constroem esses empreendimentos, mas moram em lugares mais modestos.

    Em outras palavras, não se sabe como esta configuração surgiu, em que época, nem para onde pode levar. Este é um documentário de constatação: ele observa a situação atual com talento e rigor crítico inegáveis. Mas o discurso não vai além da percepção, ignorando questões políticas e sociais essenciais à compreensão do crescimento desenfreado das cidades. É saudável e importante rir das derivas do sistema capitalista, mas parece ingênuo ater-se ao cinismo e ao deboche.

    Não é difícil imaginar que Banco Imobiliário siga uma carreira comercial respeitável no circuito de arte. Seu discurso caloroso e ritmo fluido devem cativar o público, além disso, o retrato de uma São Paulo enlouquecida pode despertar identificação com o público-alvo de cinemas de arte. Mas em termos de reflexão, o projeto deixa muito a desejar.

    Filme visto na 19ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro de 2016.

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