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    Como Você É
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Como Você É

    Descobertas

    por Rodrigo Torres

    Miles Joris-Peyrafitte não passava de um recém-nascido quando Kurt Cobain morreu. Porém, por influência do irmão mais velho e um posterior mergulho na obra do Nirvana, o diretor e roteirista foi capaz de compreender perfeitamente a importância da banda e a influência do grunge no início dos anos 90. Pois isso se comprova em Como Você É, filme de estreia do jovem cineasta que não só referencia a música "Come As You Are", como evoca habilmente todo um estado de espírito, toda uma época.

    Nada, porém, é tão abstrato no longa-metragem. Tais sentimentos são explorados delicadamente a partir de Jack (Owen Campbell), filho único de Karen (Mary Stuart Masterson). Quando sua mãe solteira casa-se com Tom (Scott Cohen), o garoto é presenteado com um irmão postiço da mesma idade, Mark (Charlie Heaton, de Stranger Things). Antissociais, sendo um tímido e o outro, rebelde, eles rapidamente se encaixam e formam um belo bromance — que acaba se tornando, de fato, um romance, embora dividido por outro relacionamento confuso entre amizade e paixão, com Sarah (Amandla Stenberg), dúvidas inerentes à idade e um medo latente de rejeição por família e sociedade.

    Como Você É soa, assim, como uma fusão entre os clássicos jovens dos anos 80, eternizados por John Hughes, e os filmes independentes de Sundance, marcados por seu olhar tão pessoal e uma estética (até positivamente) imatura — características naturais de um festival que se propõe a revelar jovens cineastas. Joris-Peyrafitte traz consigo essa crueza. Ele derrapa, como ao investir em flashbacks que antecipam uma tragédia, mirando um mistério envolvente, contado aos poucos, e acertando apenas o desinteresse do espectador pela revelação final. Mas vai bem em tantos outros momentos, principalmente pela verdade transmitida pelos pequenos dramas do trio.

    A narrativa morna, marcada por tempos baixos e praticamente sem clímax, ilustra a vida pacata dos três amigos. Até Jack ver a idade chegar e começar a se descobrir sexualmente, ele mais parece um mero espectador da vida, especialmente da dos outros, angustiando-se com o sofrimento de Karen e Mark diante do comportamento violento de Tom. Sarah, por exemplo, se une àqueles losers e passa a viver suas trivialidades. O único grande evento que ela tem nos meses retratados no filme é o tradicional baile de formatura. E termina em frustração, embora numa sequência linda.

    Eles são, portanto, uma ótima personificação do grunge. Inclusive pelo minimalismo com que se desenvolve: se a raiva está em Mark (sua semelhança física com Kurt é o elemento de maior mistério no longa, fazendo-nos perguntar se ele terá o mesmo fim depressivo e trágico), Jack e Sarah representam bem a dor, a apatia, a solidão e um desejo reprimido por liberdade. Esta boa combinação das aflições (e caracterizações) dos personagens com traços que delineiam o gênero musical confere à história — tão simples, de temas explorados à exaustão no cinema indie americano recente — o seu grau de particularidade, o que é louvável.

    Fã do Som de Seattle e, muito provavelmente, um jovem que sabe o que é se sentir deslocado no mundo, Miles Joris-Peyrafitte transmite essas sensações tão bem que gera um certo incômodo durante a projeção de Como Você É. Porém, pela ambientação daquelas vidas numa cidadezinha de interior, seu realce com os protagonistas e o tratamento sutil dessas e outras questões (em especial o envolvimento homossexual entre Jack e Mark, tratado com tanta naturalidade), o ritmo lento beneficia o pós-sessão e se verte em lembranças positivas de um longa-metragem com problemas menores que suas qualidades.

    Inclusive por ser ele, Joris-Peyrafitte, um outsider também em termos cinematográficos. Um diretor e roteirista novo, que estreia com sua marca própria. Que, na escolha da trilha, dos planos, na atuação de seu elenco, denota a simplicidade de quem faz a sua arte (ainda?) de maneira intuitiva. Ele filma o que viu, viveu, sente, é. E, nesse ponto, a imaturidade patente em Como Você Étraz sua mais bela virtude: de um filme sobre descobertas que, em meio a erros e acertos, representa um cineasta em fase de descoberta.

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