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    TupiniQueens
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    TupiniQueens

    Drag além das aparências

    por Bruno Carmelo

    Quando as mídias tradicionais falam sobre drag queens – em reportagens sobre a Parada Gay, por exemplo – o foco geralmente encontra-se no caráter colorido e exótico destas personagens. Para o olhar heterossexual e conservador, a drag seria uma construção circense ou carnavalesca, sem motivos para existir além de agradar o olhar alheio e divertir as pessoas ao redor. Felizmente, para se contrapor a estas visões redutoras, surgem retratos realistas e respeitosos como o documentário Tupiniqueens, de João Monteiro.

    O cineasta conversa com dezenas de drags em São Paulo, na intenção de compreender o que existe por trás da imagem. O que leva uma pessoa a criar uma drag? Como se determina os traços de cada personagem? Qual é a relação destes corpos com a sexualidade? O que significa, em tempos conservadores, vestir-se de maneira tão voluntariamente artificial? Monteiro extrai de suas entrevistadas ideias preciosas e complexas, que relacionam a drag a uma forma de subversão social, a uma possibilidade de libertação dos estigmas, e a uma profissão como qualquer outra: “Este é nosso uniforme de trabalho”, afirma Latrice Royale enquanto prepara a maquiagem.

    O filme foge de outro fetichismo que afeta as drags: a transformação de “homem” em “mulher”. São raras as cenas das entrevistadas sem maquiagem, e jamais se descobre como são as suas vidas diárias, trabalhando numa empresa qualquer. Tupiniqueens confere autonomia para personagens como Samantha Banks, Gloria Groove, Márcia Pantera e tantas outras existirem separadamente de seus criadores. A libertação ocorre inclusive em relação à própria comunidade LGBT: elas não hesitam em relatar o preconceito de gays com os efeminados e com o universo feminino, reproduzindo assim o machismo da sociedade patriarcal.

    Além do discurso político e social relevante, as imagens são belíssimas: Monteiro constrói planos muito bem enquadrados, iluminados com inteligência e coordenados por uma edição impecável. A experiência é agradável, divertida, prova de que se pode fazer política sem ser amargurado ou dogmático. As piadas irônicas de Alaska Thunderfuck sobre a “maquiagem terrível” ou os espacates desajeitados de Latrice servem para mostrar que qualquer configuração de corpo é possível, e que a as drags contribuem à quebra de paradigmas estéticos e sociais. Acima de tudo, as personagens fazem questão de se afirmar como artistas, criadoras, detentoras de traços autorais em sua imagem, seus gestos, sua música.

    Talvez o roteiro de Tupiniqueens não se desenvolva o suficiente: tem-se apenas uma sucessão de drag queens, cada uma mostrando seus talentos no palco e discutindo o valor da cultura drag. São raros os momentos construídos pelo diretor (como a caminhada de uma drag pela avenida, à noite) para fugir à linearidade das entrevistas. Apesar da estrutura simples, e mesmo redutora, o filme consegue obter o melhor de cada apresentação, cada conversa e cada cena. As drags são apresentadas como artistas, militantes, profissionais e pensadoras sobre a cultura de gênero e de orientação sexual.

    Filme visto no 23º Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade, em novembro de 2015.

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