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    Guerra de Algodão
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Guerra de Algodão

    Formando uma base

    por Barbara Demerov

    O crescimento pessoal de uma personagem, seja através do conhecimento sobre suas próprias origens ou da simples necessidade em saber qual caminho seguir, pode ser uma boa base para o desenvolvimento de uma história intimista cuja mensagem é justamente a de se ter pleno entendimento de quem você é. Guerra de Algodão fala muito sobre origens, dúvidas e perguntas que vão surgindo quando algumas respostas são dadas, como um coming of age mais focado no interior do que relacionado à idade de Dora, a jovem protagonista.

    Quando retorna da Alemanha (lugar que sempre chamou de lar) para morar em Salvador com a avó materna que nunca manteve contato, Dora tem de lidar silenciosamente com a solidão ao se ver sozinha em um país que conhecia apenas de longe, através da mãe. Seu sofrimento é interiorizado e as passagens em que observa o novo ambiente que se encontra não precisam de palavras para mostrar o quão frustrada ela está - exceto por um ou outro palavrão que diz em alemão.

    Guerra de Algodão vai aos poucos explicando o que de fato acontece e aconteceu na vida daquela família, a exemplo da avó: ela poupa palavras à neta e sempre é exibida como uma figura enigmática, mas logo descobrimos que era uma artista famosa sem medo de falar o que pensava, mesmo em meio à uma sociedade extremamente patriarcal. Seu silêncio de hoje é fruto de ações "fora do padrão" que a tornaram uma mãe afastada da filha e do marido - resultado que Dora sente na pele com uma família dividida pelo passado. O enredo não só é aprofundado de forma interessante como também toca em temas do universo feminino que não deixam de ser atuais. O preconceito com a mulher das décadas de 50 ou 60 que se recusava a escrever sobre receitas em jornais é um deles.

    Porém, o bom roteiro não está completamente alinhado com seu elenco. Apesar de Thaia Perez e a jovem Dora Goritzki estarem confortáveis em suas personagens, entregando consistência em suas atuações, a direção preza por uma estrutura teatral. Desde o modo em que os atores são posicionados frente a câmera até os enquadramentos e arranjo dos ambientes, tudo parece ser feito para o teatro - inclusive o modo como algumas falas são proferidas, com pausas ou entonações mais fortes em certas palavras. Ainda que trabalhada de modo delicado, essa escolha tira a naturalidade de algumas palavras, especialmente quando são ditas após silêncios que necessitam de mais emoção. Há, também, certas passagens com soluções muito fáceis e que tornam a história um tanto incerta, como a rejeição inicial da avó em ter um livro publicado sobre sua trajetória se tornar rapidamente em consentimento.

    Mas a jornada de Dora se transforma gradualmente a partir de quando encontra jornais da época em que a avó era atriz, roupas e adereços num dos quartos da casa, a fim de vender essas informações para a biografia. Do puro interesse em juntar dinheiro e voltar à Alemanha, a menina chega a um lugar inusitado: ao sentimento de pertencimento quando encontra informações sobre sua própria família. Tudo o que lhe fora privado no passado (a história da avó e sua carreira artística, além da relação com a mãe) agora passa a ser de Dora. As memórias de outras mulheres de sua família também lhe pertencem e fazem com que sinta que ela tem um lar, apesar de não saber até então onde este lar ficava ao certo. Guerra de Algodão cresce na intenção de mostrar, com afeto, a relevância de entender e valorizar nossas raízes.

    Filme visto na 43ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2018.

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