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    Volta à Terra
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Volta à Terra

    Festa no interior

    por Taiani Mendes

    “Avuz, Aviuz, Aviz, Uz: local da abundância de água, referenciada nos livros de história portugueses desde 1250 e tal”, informa o locutor durante o festejo que altera a pacata rotina dos protagonistas do documentário Volta à Terra. Água não está entre os focos da câmera do diretor estreante João Pedro Plácido, no entanto é como o suave serpentear de um rio que sua câmera se estabelece na localidade do norte de Portugal, que de fato parece esquecida no passado e mal tem 50 habitantes fixos.

    Tendo como eixos o experiente António e o divertido Daniel, mais jovem agricultor das redondezas, o longa acompanha de perto, sem intromissão, a lida dos dois na propriedade da família Guimarães. Vacas, porcos, bezerros, ovelhas, galinhas, enxadas, parentes... Todos seguem suas vidas com naturalidade diante da câmera.  Uma vez ou outra alguém não resiste e acaba olhando para a lente, outra hora algo surge iluminado artificialmente, uma sequência pode ter sido reencenada, porém nada disso diminui a sensação de intimidade e o interesse crescente naquele seres humanos, observados com tanto cuidado.

    Distante da cidade grande e sem internet, Daniel é bastante diferente da maioria dos portugueses de 21 anos, mas seu sonho é universal: encontrar o par perfeito, no caso uma mulher que goste de andar com ele no monte. No meio de todas as piadas e palavrões há um rapaz certo de seu lugar no mundo – mais adiante seu visual até passa a se confundir com o de António, seu claro futuro – e apaixonado. Suas cenas românticas na aguardada festa do vilarejo são de doçura tocante, assim como é ímpar o momento em que ele acaba recorrendo ao celular, aquele objeto dispensável cuja existência já havia sido completamente esquecida pelo espectador envolvido no ritmo do campo.

    O amor pela terra é semelhante, mas o que Daniel tem de ingenuidade, o patriarca António tem de sinceridade e polidez. Fala de política, chama Portugal de “país do fascismo”, sofre intensas dores físicas calado e participa ativamente da organização do principal evento anual de Uz. Discorda de muita coisa, porém sempre elegante e oferecendo abertura para o diálogo. É como um personagem inventado, tamanha sua sabedoria transbordante, estilo marcante e rabugice no fundo simpática. Consciente da limitação de sua força, está pronto para passar o bastão para as novas gerações e nem por isso deixa de executar suas tradicionais tarefas, altivo. Um trabalhador nato, até o fim.

    Não é missão fácil fazer um longa interessante sem conflitos, mas João Pedro Plácido, originalmente diretor de fotografia, consegue com louvor, graças aos seus protagonistas cativantes e imagens sensíveis. Coadjuvantes, como o padre que faz piada com a doença de António, a tia que quer viver para comer, a criança que só fala francês e as senhoras preocupadas com a televisão, adicionam graça extra a Volta à Terra, um singelo filme formado por pequenos grandes momentos, do tipo que aquece o coração e prova que a humanidade é a melhor matéria-prima do cinema. O que representa também um retorno ao básico.

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