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    Mulheres do Século 20
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Mulheres do Século 20

    Polaroides da modernidade

    por Bruno Carmelo

    Pelo estilo despojado, pelo baixo orçamento e pela história de amadurecimento, Mulheres do Século 20 aparenta ser um drama independente padrão, do tipo que confere mais importância à intimidade dos personagens do que ao meio em que vivem. No entanto, a produção revela uma ambição histórica ímpar: através de três mulheres nascidas nas décadas de 1920, 1950 e 1960, mas vivendo no final dos anos 1970, o diretor Mike Mills deseja traçar o panorama de um século inteiro de cultura americana.

    É óbvio que o filme não dá conta de todas as passagens importantes, e nem teria como fazê-lo. Mas ele vai por caminhos metonímicos: situado principalmente dentro de uma casa, em conversas simples na cozinha e nos quartos, o projeto retrata a longa transformação nos modos de pensar de várias gerações nos Estados Unidos. De maneira divertida, porém incisiva, este lar recebe influências das duas grandes guerras, das presidências alternadas de democratas e republicanos, do aprofundamento do consumismo, da Guerra Fria etc. O personagem que une essas mulheres é o garoto Jamie (Lucas Jade Zumann), mas sua vida é moldada pela presença feminina ao redor. Ele funciona como os olhos do público, observando com atenção cada gesto do trio central.

    Dorothea (Annette Bening), Abbie (Greta Gerwig) e Julie (Elle Fanning) unem-se por laços não sanguíneos: a matriarca aluga um quarto de sua casa para a jovem Abbie, que se torna uma amiga, enquanto Julie é confidente e interesse amoroso do filho, frequentando a casa quando bem entende. A concepção de uma família eletiva, em si, já seria bastante progressista, e os elementos tornam-se ainda melhores com a presença sedutora, mas perfeitamente orgânica, do pedreiro e locatário William (Billy Crudup), ressaltando a maneira como cada mulher lida com o sexo oposto. As três são fortes, determinadas, mas partindo de ideias diferentes, como a independência financeira no caso de Dorothea, o feminismo e o movimento punk no caso de Abbie e a psicanálise no caso de Julie.

    As discussões são desenvolvidas por um roteiro de estrutura simples: Mike Mills cria uma série de episódios semi-independentes com uma dupla de personagens conversando sobre algum elemento cultural que não compreendem. Os diálogos são a força motora do projeto, que mescla imagens de arquivo e efeitos de pós-produção para trazer algum tipo de complexidade a uma imagem que poderia ser meramente ilustrativa, submissa aos embates verbais. A escolha do elenco contribui à pluralidade destes mini-Estados Unidos representados por um único lar: o estilo careteiro de Bening contrasta com o despojamento corporal pós-moderno de Greta Gerwig, que por sua vez completa o estilo duro e técnico da excelente Elle Fanning, moldada pelas experiências com a família Coppola.

    Mulheres do Século 20 apresenta alguns problemas, no entanto. Mike Mills trabalha com uma direção de fotografia excessivamente nítida e saturada, que talvez vise o naturalismo extremo, registrando cada poro dos rostos e detalhe das roupas, mas acaba distraindo o espectador por chamar muita atenção a si mesma. A narração do futuro quebra a bem-vinda impressão de imediatismo. Os efeitos em arco-íris para a fuga no carro, as acelerações durante as elipses e a má captação de som dentro dos banheiros e cozinhas também revelam a indefinição conceitual entre o realismo apreensivo, de pouca interferência no ambiente, e o realismo representativo, colando símbolos que não costumam conviver para criar um mosaico completo. Às vezes a mão do diretor é pesada demais, às vezes mostra-se frouxa. Mesmo assim, as ricas discussões e a qualidade das atuações compensam as deficiências, fazendo deste projeto um raro título indie capaz de dar conta de profundas ambições sociológicas com leveza e ironia.

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    Comentários

    • João
      É o trabalho dele, i-d-i-o-t-a
    • Renata Waszak
      Todos os filmes realmente bons, nas críticas dos mais sábios, sempre têm ar de deturpação em detalhes que talvez pessoas reais como as que vivenciaram ou se identificam com personagens e suas histórias, não notariam. O filme sem dúvidas é excelente. Só quem passou por essas situações ou mesmo entende no fundo o que os personagens querem transmitir por si só é muito valoroso. Críticas inúteis senhores.
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