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    A Lei da Selva
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    A Lei da Selva

    Rolo compressor

    por Bruno Carmelo

    Talvez seja bom informar desde o começo que A Lei da Selva não representa uma comédia típica dos nossos tempos. As comédias contemporâneas são cada vez mais dependentes de diálogos e humor físico, precisando temperar o roteiro com a incursão em outros gêneros – momentos dramáticos, cenas de ação – para conquistar um público amplo. Ora, o filme francês não faz nenhuma concessão, nem ao ritmo, nem ao público, muito menos à sua temática espinhosa. Este é um humor construído apenas a partir de situações e da linguagem cinematográfica.

    A busca por inovação é muito bem-vinda. Ao invés de personagens infantilizados ou objetos voando em direção a testículos – vide filmes de Adam Sandler -, temos figuras comuns, confrontadas a situações inesperadas. No caso, trata-se de dois franceses fazendo um estágio na Guiana Francesa, em plena selva. Os conflitos com os quais se deparam geram fácil identificação: eles gritam diante de insetos gigantes, perdem o celular no meio da travessia, questionam a ordem dos superiores. Estamos na lógica do absurdo, do improvável, sem medo do “mau gosto” e do choque, a exemplo da cena dos canibais devorando um cérebro.

    Por um lado, o diretor Antonin Peretjatko demonstra talento para gerar comicidade via enquadramentos, luz e montagem. Em algumas cenas, uma ação comum se desenrola em primeiro plano, enquanto outra insana acontece no fundo do quadro. Em outros momentos, a câmera revela apenas ao espectador a chegada de uma cobra gigantesca prestes a abocanhar o protagonista. O cineasta sabe extrair o melhor de seus excelentes atores, Vincent Macaigne e Vimala Pons, ambos fora de seus registros habituais: ele, acostumado à figura de homens patéticos e fracassados, encarna o herói improvável, ela, geralmente uma figura sedutora e maliciosa, faz a moleca inconsequente e agressiva.

    A inconsequência, aliás, define o filme como um todo. O roteiro não se preocupa com nenhum personagem coadjuvante: todos entram e saem da história quando convém às piadas. Existem três ou quatro finais apresentados exatamente como tais, incluindo a palavra “Fim” na tela, antes de a trama seguir em frente. Pessoas morrem e reaparecem na cena seguinte, como nos desenhos animados. A certa altura da narrativa, temos literalmente a presença de um rolo compressor esmagando um homem. Vale tudo para criar a gag visual, ou pelo menos o estranhamento desejado pelo diretor.

    Por outro lado, o humor soa insistente demais. Não existe uma cena de respiro, uma piada construída durante mais de cinco minutos antes da punchline. Cada imagem tem sua comicidade, cada minuto de filme traz pelo menos um elemento estranho e improvável. Cenas divertidíssimas se alternam com outras menos inspiradas, ou repetitivas, como não poderia deixar de ser. A montagem e o roteiro pisam no acelerador para desconstruir todos os elementos que se esperaria desta história: a arrogância dos europeus, a selvageria dos habitantes pobres, os perigos da floresta, a ineficiência dos serviços públicos, a corrupção nos altos poderes.

    A cada piada politizada sobre o mundo contemporâneo – como o engraçado sistema de cotas na decisão do governo, incluindo um casal gay israelo-palestino – outra piada conformista e preconceituosa toma o seu lugar, a exemplo da sugestão de que os guianenses são realmente bárbaros animalescos e ultra sexualizados. A Lei da Selva afirma tudo e o seu contrário: o filme detona a direita e a esquerda, a Europa e as Américas, os poderosos e os cidadãos comuns. Por trás desse viés aparentemente democrático, acaba por não se posicionar sobre tema algum. Este é um dos maiores perigos dos filmes políticos: evitar uma visão de mundo, ocultar um posicionamento. Por trás do humor corrosivo e do estilo único, o projeto deixa um gosto um pouco amargo.

    Filme visto online no My French Film Festival 2018.

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