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    Cézanne e Eu
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Cézanne e Eu

    Não-impressionista

    por Sarah Lyra

    Em Cézanne e Eu, a trama é centrada na intensa amizade do pintor Paul Cézanne (Guillaume Gallienne) com o escritor Émile Zola (Guillaume Canet) ao longo das décadas, do momento em que se conheceram num internato até suas mortes no início do século 20. De um lado, Cézanne: idealista na maneira de pensar a arte, constantemente frustrado com sua pintura e explosivo a ponto de assustar o mais leal dos amigos. Filho de banqueiro, ele se dá ao luxo de ser um romântico e desprezar os julgamentos da burguesia. Do outro, Zola: gentil e humilde, criado com dificuldades financeiras e em busca de aprovação da elite francesa. Sofre com a falta de aceitação, mas ao mesmo tempo sente culpa ao ter um trabalho reconhecido. Zola defende a classe artística e pensa nas conquistas coletivas, enquanto Cézanne é egoísta e não se importa com nada além do próprio trabalho.

    Por mais antagônicos que sejam, os dois nos conduzem por um interessante passeio pelas angústias da classe artística francesa no final do século 19, que inclui referências a grandes nomes como Camille Pissarro, Édouard Manet, Auguste Renoir e Baptistin Baille. Embora todos eles fossem parte de um grupo de amigos, havia também uma disputa interna para fazer parte do Salão da Academia de Belas-Artes de Paris, o maior evento anual de arte da época. E é a partir dessa busca por prestígio que o longa de Danièle Thompson desenvolve a amizade de Cézanne e Zola.

    Que se trata de dois personagens icônicos e que transcendem gerações, não há dúvidas. Thompson adota um ritmo típico do cinema francês para dar velocidade à trama, com seus personagens verbalizando de maneira abrupta e eloquente tudo que estão pensando ou sentindo no momento. Há, no entanto, uma certa indulgência do filme em relação a Cézanne. As cenas do pintor quebrando quadros, usando adjetivos maldosos para ofender os amigos, e discutindo de forma exaltada com qualquer um que discorde minimamente de sua visão sobre a arte se acumulam durante os atos, mas revelam menos sobre a personalidade do artista do que se pretende. É evidente, sim, que existe uma crescente inquietação dentro de Cézanne, mas é difícil se conectar ou ter empatia pelo protagonista quando não há muita ambivalência sendo expressada, o que evidencia uma recusa da direção em explorar as nuances do que parece ser a dor insuportável de ser ele mesmo.

    E se o problema de Cézanne é ser excessivamente explosivo, o de Zola é ser tão compreensível que beira o caricatural. Logo, o que deveria ser uma amizade recheada de complexidades se transforma em uma dicotomia de oprimido vs opressor. O roteiro parece não querer abordar nenhum dos possíveis conflitos gerados a partir do fato de que Zola, um homem de muitas limitações financeiras, precisa custear o estilo de vida do amigo — que é rico, à propósito —, tudo embasado em um discurso de que, por mais ingrato que seja, não se pode virar as costas para um amigo. São recorrentes as cenas em que Cézanne é extremamente abusivo, apenas para ser consolado por Zola em seguida, como se este pudesse compreender algo sobre Cézanne que ninguém mais pode, tornando o amigo uma espécie de mártir. "Nos conhecemos bem demais para nos separarmos", justifica Zola, ao responder um questionamento do próprio Cézanne sobre sua fidelidade incondicional.

    Assim, não conseguimos entender as motivações do escritor quando ele se recusa veementemente a se afastar do pintor, contrariando todos a sua volta. Há, claro, o fato de que Cézanne "adotou" e protegeu Émile na infância, mas esse fato não recebe atenção suficiente para justificar a devoção. Em uma tentativa de contextualizar melhor o relacionamento dos dois, o longa usa o recurso pouco inventivo de colocar em off a leitura de uma carta escrita por Zola para Cézanne, em que tenta preencher, ao longo de três minutos, todos as lacunas geradas pelo roteiro. Por mais interessante que seja acompanhar os acontecimentos que marcaram o relacionamento dos dois, um recorte temporal poderia trazer mais profundidade para os dilemas vividos por eles. O ápice do filme é construído a partir das expectativas geradas em torno de um reencontro entre Zola e Cézanne, após dois anos sem se verem, mas a concretização vista em tela acaba não tendo a carga dramática para funcionar.

    Uma outra escolha que chama atenção no longa é que, embora a história se passe no final do século 19, um período em que o mundo da arte se tornava muito mais ativo e inovador, não há qualquer menção sobre os efeitos dessa mudança na sociedade francesa, na qual os personagens estão inseridos. Uma contextualização sobre as tensões entre os artistas revolucionários e a burguesia conservadora ajudariam a justificar algumas das ações dos personagens, principalmente de Cézanne, um homem que oscilava entre as duas classes e tinha dificuldades em encontrar o seu lugar no mundo.

    Nos momentos finais, o filme ganha fôlego com a briga entre os dois amigos, e é só então que entendemos que o passivo Zola tinha uma luta mais interessante do que aparentava, pois é justamente ao se tornar um autor bem sucedido que passa a se considerar um fracassado, que escreve apenas pelo dinheiro e para ter a aceitação de uma burguesia que até então o desprezava. Fica claro, também, que ele vê Cézanne, até então um pintor sem qualquer tipo de reconhecimento por seus quadros, como o artista verdadeiramente autêntico, livre, que não depende da aprovação de ninguém para viver da arte. É exatamente esta ambivalência, ignorada nos dois primeiros atos, que nos leva a compreender perfeitamente o empoderamento presente na fala "eu não consigo lembrar por que amei tanto você", ao mesmo tempo em que sentimos profunda empatia pelo personagem a quem a fala foi direcionada. É uma pena que uma cena tão poderosa se dilua em um produto aquém do que seus personagens mereciam.

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