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    Campo de Flamingos Sem Flamingos
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Campo de Flamingos Sem Flamingos

    Vida e morte na floresta

    por Bruno Carmelo

    Campo de Flamingos Sem Flamingos é um filme misterioso. Trata-se de um documentário sem diálogos, sem conflitos, sem intenção de registro fatual e sem personagens recorrentes (a não ser que se considere animais e figurantes como personagens). Durante 90 minutos, o diretor André Príncipe fornece ao espectador uma sucessão de imagens da natureza, silenciosas e sombrias.

    Por mais belas que sejam, as paisagens deste filme não correspondem à noção turística de cartão postal. A sinopse informa que as regiões escolhidas representam os quatro cantos de Portugal, mas o espectador pode ignorar este dado pela falta de referências explícitas a cidades ou épocas. As florestas escuras, as ondas quebrando no farol, as planícies em dias nublados apresentam uma beleza glacial, pouco convidativa. A natureza não é ocupada por humanos, não se oferece à interação.

    Por isso, a paisagem neste documentário remete àquela apreendida em quadros, ou fotografias, e válidas por sua beleza em si, não pela capacidade narrativa. Não há estória no sentido estrito do termo, apenas a sucessão mais ou menos aleatória de animais e cenários. As relações que se estabelecem neste filme são de ordem puramente existencial: vida e morte, dia e noite, antes e depois. A lenta passagem do tempo – lenta até demais, em alguns casos – ganha um estudo atento e dedicado.

    No que diz respeito à morte, Príncipe filma diversos animais abatidos por humanos, destacando cadáveres empilhados sobre o solo. Campos de Flamingos Sem Flamingos poderia enveredar pela ode à preservação da natureza, mas ele nunca denuncia ou revela as origens, as causas, as consequências desta matança. Não se vê ninguém vendendo ou consumindo animais. A matança é mostrada de modo curiosamente apolítico, apesar do título irônico que sugeriria justamente a artificialidade dos espaços dominados pelo homem.

    Mantendo uma composição rigorosa nos enquadramentos, na iluminação e na montagem, Príncipe evita que sua obra se transforme em um filme-mensagem. O documentário é acima de tudo uma experiência estética, talvez uma prima distante do magnífico Bestiário, que também se dedicava a estudar enquadramentos e texturas no mundo animal. Mas o cineasta português estende o apetite visual aos campos, às praias, às colinas.

    O resultado é uma obra singular, instigante, embora de ritmo arrastado, e sem grande desenvolvimento de sua premissa estética inicial. O agenciamento das imagens não corresponde a uma lógica muito estruturada: nem sempre os horizontes estabelecem uma relação frutífera com os cadáveres de veados, nem sempre o discurso do cientista dialoga com os olhos iluminados dos mamíferos. Campos de Flamingos Sem Flamingos fornece muito material aos sentidos, mas poucos elementos de reflexão.

    Filme visto na VI Semana dos Realizadores, em novembro de 2014.

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