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    Osvaldão
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    Osvaldão

    A descrição do mito

    por Bruno Carmelo

    Em 2015, os jovens diretores André MichilesFábio Bardella apresentaram no festival de Brasília (junto de Diogo Martins) uma obra de potência ímpar: Através, road movie fictício em moldes documentais, que traça um retrato humanista de Cuba. Para seu segundo filme no ano (dirigido em parceria com Ana Petta e Vandré Fernandes), a expectativa era grande, mas Osvaldão é um projeto totalmente diferente, munido por ambições mais políticas do que propriamente estéticas.

    O documentário adota uma estrutura convencional, alternando depoimentos e imagens de arquivo para retratar a trajetória de Osvaldo Orlando da Costa, guerrilheiro do Araguaia. O quarteto de diretores envereda pela construção do mito, inicialmente pelo aspecto físico: é impressionante o longo tempo gasto para afirmar que Osvaldão era um homem grande, negro, forte, tão assustador quanto admirável, e mesmo “preto, bonito e gostoso”, como diz uma carta. Para enaltecer seu objeto de estudo, o filme faz questão de projetar na aparência as qualidades morais do personagem, seguindo a lógica clássica dos antigos gregos. Partindo do físico, chega-se ao metafísico, com sugestões de que o biografado seria dotado de poderes sobre-humanos, e que sua importância superaria sua existência - ou seja, o mito se sobressai ao referente.

    Como desejam tratar da influência do personagem na cultura popular, os cineastas entrevistam principalmente pessoas pobres das regiões rurais onde Osvaldão atuava, valorizando assim a transmissão do conhecimento informal, na qual o guerrilheiro é o herói, e não o “terrorista” dos livros de História conservadores. A aposta na transmissão popular é certeira, mas o documentário não dispõe de muito mais do que isso para construir sua narrativa. Com exceção de um interessante trecho na República Tcheca, onde Osvaldão aparece e fala por si mesmo, o biografado é construído apenas no imaginário coletivo, através das falas superlativas dos ribeirinhos. Até as cartas escritas por ele, lidas cada vez por um narrador diferente e mal dirigido pelos cineastas, cria uma sensação de heterogeneidade que não amarra o imaginário disperso em torno de Osvaldão.

    O resultado é um filme linear e fatual como um boletim de ocorrência. Este seria o equivalente de um texto literário composto essencialmente de verbos: os entrevistados dizem que Osvaldão foi, viu, correu, fez, aprendeu, fugiu, atirou, escondeu, conheceu… Os diretores incluem algumas imagens metafóricas com homens negros, de costas, andando pela mata, em referência ao local de atuação do biografado, mas existe pouca criação além das falas e dos vídeos que contextualizam a época. Os cineastas ficam reféns do material escasso, e não se propõem a imaginar aquilo que os documentos não contam: como pensaria, o que sentia, quais seriam suas dúvidas, paixões, incertezas?

    Pelo menos, o documentário foge de um dos grandes problemas das biografias feitas por diretores afeitos aos seus objetos de estudo: a elegia. Osvaldão não constitui uma homenagem acrítica, apesar da evidente simpatia por ele. Mesmo assim, o ponto de vista da direção, dependente das impressões de terceiros, revela-se frio, impessoal, algo que repercute nos aspectos técnicos. A fotografia é nítida e um pouco superexposta, privilegiando a compreensão didática (é melhor garantir que tudo está perfeitamente visível do que oferecer uma imagem bela), e variando muito a qualidade entre os vários testemunhos. O mesmo ocorre com a qualidade da mixagem de som. Mesmo as legendas da curta cena em tcheco apresentam erros de português, dando a impressão de que o projeto não foi finalizado com o esmero necessário.

    É interessante que este filme seja lançado no conflituoso ano de 2015, no qual o medo do comunismo virou argumento poderoso em um país muito distante dos ideais de esquerda, e no qual atos contrários ao governo voltam a ser enquadrados como crime de terrorismo. Percebe-se que o Brasil não evoluiu muito desde os tempos bárbaros de Osvaldão, e neste sentido o documentário estabelece um triste e importante diálogo com a realidade. No que diz respeito à carreira cinematográfica, entretanto, espera-se que os talentosos Michiles e Bardella (assim como os outros codiretores) privilegiem os projetos de cunho autoral e inventivo nos moldes de Através, ao invés de registros quase institucionais como este.

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