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    O Presidente
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    O Presidente

    Fábula da ditadura

    por Bruno Carmelo

    O veterano Mohsen Makhmalbaf é conhecido como um dos pais do realismo simbólico iraniano, criando ficções no limite da linguagem documental para retratar de perto a realidade de seu país. Obras como Close-Up (1991) e A Maçã (1998) foram aclamadas pela simplicidade e pelo uso metonímico das imagens. Por esta razão, é uma surpresa que o cineasta tenha realizado o drama de guerra O Presidente, uma produção grandiosa repleta de movimentos de câmera, figurantes, cenários distintos, explosões.

    A trama acompanha os dias de um ditador (Misha Gomiashvili) às vésperas de um golpe revolucionário que põe fim ao seu governo. Desorientado, com o neto pequeno (Dachi Orvelashvili) ao lado, ele tenta se esconder neste país sem nome onde todos o procuram em busca de uma recompensa generosa. A premissa é interessante, mas de difícil abordagem por duas razões: primeiramente, coloca-se o público do lado do tirano, visto como um avô zeloso com seu netinho. Não se vê as atrocidades que ele cometeu. Em segundo lugar, adota-se o tom da fábula colorida e divertida ao retratar a guerra pelos olhos do garotinho rico. Transformar a ditadura num conto engraçado é decisão eticamente contestável.

    Mesmo assim, O Presidente não foge da violência. Ausentes das imagens na maior parte do tempo, as consequências do governo tirânico estão presentes nas falas dos moradores, citando o descaso e a crueldade do ditador. Escondido entre o povo, vestido de músico, o governante finalmente descobre todo o mal que causou à população. Este choque com a realidade poderia gerar um efeito catártico no estilo Filho de Saul, no qual a guerra é deduzida pelos sons e sugestões fora de quadro. Mas Makhmalbaf coloca sua obra num terreno mais próximo do italiano A Vida é Bela, aquela trama açucarada do pai escondendo a dura realidade do filho pequeno. Algo semelhante ocorre em O Presidente, com o homem idoso fingindo ao neto que estão brincando de teatro. Cada vez que algo cruel ocorre diante dos olhos do menino, a montagem corta para gentis flashbacks da vida luxuosa no palácio, onde ele vivia em paz.

    De fato, incomoda o olhar condescendente em relação ao protagonista. Makhmalbaf sempre foi um humanista atento às dificuldades do povo, mas neste caso, sua preocupação maior consiste em humanizar aquele que chamam de “monstro”. Apesar destes questionamentos, são inegáveis as qualidades do filme, que vão desde as atuações - tanto o homem idoso quanto o ator mirim estão excelentes -, à fotografia naturalista e ao ritmo agradável, mesmo com 120 minutos de duração. O cineasta costuma chamar a atenção por seu olhar ao mundo, mas desta vez impressiona pelo acabamento de sua produção.

    A conclusão caminha a uma possível redenção simbólica do protagonista. Esta é mais uma armadilha em que a história se insere: por um lado, mostrar o arrependimento do ditador corresponderia ao perdão por seus atos, por outro lado, persistir em sua arrogância criaria antipatia pelo protagonista. O roteiro encontra uma terceira solução, poética, entre os dois caminhos. Com esta obra, é inegável o talento do diretor na manipulação da narrativa e das imagens, ao mesmo tempo que é interessante vê-lo investir em outros estilos. Mas a doçura do olhar lúdico é atenuada pela moral dúbia de seu discurso.

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