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    Ventos de Agosto
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Ventos de Agosto

    Como enterrar seus mortos

    por Bruno Carmelo

    Existem diversos filmes dentro deste filme. Durante o primeiro terço da trama, desenvolve-se uma história bela e naturalista sobre Shirley (Dandara de Morais), garota da cidade, fã de rock e de tatuagens, obrigada a morar num vilarejo de catadores de coco enquanto ajuda a avó doente. Ela não gosta do lugar, mas permanece sem protestar, apenas com uma espécie de desgosto silencioso. O diretor Gabriel Mascaro apresenta imagens deslumbrantes do vilarejo e dos personagens, incluindo cenas naturalistas de nudez e de pesca.

    Em determinado momento, aparece um rapaz de fora da cidade, interpretado pelo próprio Mascaro. Ele quer captar o som dos ventos no local. Não se sabe de onde vem, para onde vai, se capta os registros sonoros para um experimento ou para um filme – quem sabe o próprio Ventos de Agosto? Sua entrada abrupta faz com que o roteiro esqueça Shirley. Os grandes planos abertos da natureza são trocados por imagens mais próximas do pesquisador, e o tom naturalista transforma-se em algo no limite do cômico, pela estranheza destas pessoas pobres diante de tantos aparelhos científicos.

    Pouco depois, surge um cadáver na história. Shirley reaparece como coadjuvante, e agora o protagonista é Jeison (Geová Manoel dos Santos), o namorado dela, que desenvolve uma obsessão pelo corpo desta pessoa desconhecida. Depois do drama e da comédia, entramos na tragicomédia – o corpo é velado ao som de “Baby Can I Hold You”, de Tracy Chapman. Não se compreende por que o jovem desenvolve tamanho apego a esta morte. Estaria se sentindo culpado? Seria por não ter cuidado bem da mãe (algo que o roteiro entrega de maneira nada sofisticada)? Ventos de Agosto é repleto de ausências voluntárias, sem explicações sobre a origem e o destino dos personagens, sobre sua psicologia e suas motivações. Cabe ao espectador enxergar no rosto dos atores amadores (com exceção da atriz principal) os seus afetos e conflitos interiores.

    Por tantas variações em tom e narrativa, este é um filme no mínimo inesperado. Plasticamente, a obra demonstra o domínio invejável de Gabriel Mascaro no uso de enquadramentos, texturas, profundidade de campo. A maneira não idealizada de lidar com os personagens (vide os diálogos amargos entre Shirley e sua avó) impressiona. Mas também pode incomodar – positiva ou negativamente, a gosto do freguês – a incerteza quanto aos rumos da narrativa e quanto aos verdadeiros significados destas imagens, deste humor. Seria a obra um tratado sobre os ciclos de vida e morte, com Shirley cuidando da avó moribunda, enquanto Jeison dedica-se ao cadáver com carinho? E a influência da natureza na vida destas pessoas? O que dizer sobre o contraste entre o urbano (representado por Shirley e pelo pesquisador) e o rural?

    Ventos de Agosto abre caminho para diversos debates, tanto sobre seus temas quanto sobre a forma que o diretor escolheu para representá-los. Por isso, já é um filme denso e complexo, além de ser coroado por algumas das mais belas imagens que o cinema brasileiro produziu há tempos – vide os planos do casal nu sobre os cocos, de Shirley jogando Coca-Cola sobre o próprio corpo, deitada num barco. Entretanto, trata-se de uma experiência heterogênea, sem coesão – algo que talvez seja plenamente desejado pelo cineasta. Este discurso, por mais rico que seja, impede que se desenvolva qualquer empatia pelos personagens desprovidos de histórias, de passado, de psicologia. São corpos que se movem na paisagem, entre os cocos e o mar. Seus segredos, ao final da sessão, permanecem alheios ao espectador.

    Filme visto no 47º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em setembro de 2014.

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