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    A Espera
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    A Espera

    O pesadelo do luto

    por Bruno Carmelo

    Na cena inicial, Anna (Juliette Binoche) está sentada num velório, diante do cadáver do filho. O cerimonial ocorre numa igreja escuríssima, com as pessoas se movimentando silenciosamente pela penumbra. Na cena seguinte, Jeanne (Lou de Laâge) chega à mansão da mãe de seu namorado, na Sicília, sem saber que o jovem acaba de morrer. Ela percorre uma estrada assustadora, coberta de névoa, diante de uma paisagem cinzenta. Quando entra no casarão vazio, mergulha nos cômodos escuros e decadentes. Embora a estrutura seja típica da tragédia, A Espera é conduzido como um filme de terror.

    Mais especificamente, o projeto cria a impressão de um pesadelo, ou seja, um relato fantástico. O diretor Piero Messina parece inspirado nos cenários perturbadores de Suspiria e outros giallos para sugerir uma sensação de ameaça misturada a sensualidade. Antes de conversar com a hóspede pela primeira vez, Anna observa Jeanne nua. Pouco tempo depois, as duas mulheres estão sentadas lado a lado numa sauna. Mais tarde, a jovem se despe diante de Anna e mergulha no rio. Elas poderiam constituir uma ameaça à outra, por conhecerem seus segredos e fraquezas. O elo que as une é Giuseppe, o falecido ausente nas imagens, mas presente simbolicamente em todas as cenas.

    A Espera propõe um duplo processo luto – uma experiência real, por parte de Anna, e outra simbólica, de Jeanne, que acredita estar sendo rejeitada em silêncio pelo homem que ama. A morte do filho, portanto, é comparada ao fim do relacionamento. Afinal, para o roteiro e para a dinâmica das protagonistas, a dor é a mesma: Giuseppe não estará mais com nenhuma das duas. “Ele não quer te ver”, mente a mãe à namorada aflita. Para ela, este discurso não está tão distante da realidade. Messina, assistente de direção de Paolo Sorrentino, aplica uma estética semelhante à do diretor de A Grande Beleza neste projeto, aproximando-se do realismo fantástico.

    Por isso, a saturação de cores, músicas pop e efeitos claustrofóbicos pode satisfazer alguns espectadores e incomodar tantos outros. O silêncio sepulcral (a edição retira até os ruídos do som direto) e a monotonia voluntária da narrativa seriam propícias ao realismo, porém o projeto escolhe o macabro faz de conta. A presença de um caseiro soturno, típica figura do cinema de horror, e a chegada abrupta de dois jovens sedutores ao casarão – para acompanhar duas mulheres solitárias, veja só – colabora ao misto de perigo e sedução, confirmando a aparência de trama de filme B embutida num produto de arte refinadíssimo, ao limite do cafona.

    Contando com registros opostos das duas atrizes – Binoche interiorizada, prestes a explodir em cada cena, Laâge transparente, despojada e solar – o drama cria faíscas suficientes para sustentar um drama claustrofóbico, baseado num conflito único. As esperas do título são várias: a de Anna para superar a sua dor, a de Jeanne para que o namorado chegue, a do espectador para ver a farsa ruir. O sadismo inerente à premissa (o espectador sabe o que a jovem garota desconhece) funciona como motor eficaz para o suspense.

    A trama, em si, sustenta-se até certo ponto: seria improvável que a farsa proposta por Anna se mantivesse durante tanto tempo, sem maior investigação de Jeanne. Mas neste mundo-bolha luxuoso e inócuo, o diretor leva as suas protagonistas aos limites da sanidade. Neste sentido, as imagens artificiais se justificam: esta seria uma estética de exceção para um momento de exceção, uma leitura do luto como algo intrinsecamente alheio às regras morais. Além disso, Messina tem o mérito de explorar a fundo as suas escolhas imagéticas. Se for para experimentar os prazeres do cinema de gênero, é de fato melhor que se faça sem meios-termos.

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