Minha conta
    Cinco Graças
    Críticas AdoroCinema
    4,5
    Ótimo
    Cinco Graças

    A escola das mulheres

    por Bruno Carmelo

    A cena de abertura deste drama franco-turco é deslumbrante: cinco irmãs saem da escola e brincam de luta no mar, apoiadas sobre os pescoços dos garotos. A câmera desliza de um rosto ao outro, passeia pelo meio do jogo como se o espectador estivesse ali, mergulhado na água. Existe uma sensação agradável de liberdade e inconsequência. Ironicamente, este ato ingênuo sela o destino das personagens: devido à religião muçulmana conservadora, a interação com os garotos é considerada um escândalo digno de uma orgia entre adolescentes ao ar livre. Logo, elas precisam ser punidas.

    Cinco Graças poderia facilmente recair no maniqueísmo, com as jovens vítimas versus os adultos castradores. Felizmente, a diretora Deniz Gamze Ergüven vai além, mostrando como todos estão, de certo modo, presos às mesmas regras morais: as adolescentes não querem ser punidas, a avó também não desejaria puni-las, e o pai até entenderia a travessura. Mas eles são obrigados, pelo medo do olhar dos outros, a estabelecer um ambiente de opressão. Todos são condicionados a regras tão poderosas que já se reproduzem sozinhas, sem a presença explícita de representantes da Igreja. Esta é a própria origem da ideologia, quando indivíduos assimilam as regras e passam a aplicá-las maquinalmente, sem questionamento.

    A clausura das jovens é demonstrada às vezes como prisão, às vezes como fantasia. As cinco atrizes são excelentes, e os momentos de brigas e brincadeiras entre elas transmitem uma energia sincera. A câmera mantém seu olhar próximo, acompanhando a movimentação, enquanto a luz natural e os ruídos locais potencializam a atmosfera de intimidade. Ergüven gosta de retratar os cabelos ao vento, a textura da pele, os movimentos dos braços. As cinco irmãs estão distantes das burguesas entediadas de As Virgens Suicidas (projeto com o qual este filme tem sido comparado), possuindo vigor e personalidade forte, além de traços distintos que o roteiro desenvolve em detalhes, para cada uma delas.

    A casa trancada com grades e chaves funciona como metáfora para a repressão da sexualidade feminina. Tenta-se impedir que as garotas se tornem mulheres, que manifestem seus desejos. O islamismo tradicional costuma justificar o confinamento domiciliar de mães e esposas pela necessidade de protegê-las, como um objeto precioso, mas a cineasta prefere interpretar esta escolha como medo masculino da liberdade das mulheres. Por isso, é preciso domesticá-las, ensinando a costurar, cozinhar, fazer amor com o marido quando ele bem entender, colocando as vontades dos parceiros à frente das suas próprias.

    Cinco Graças é uma obra abertamente feminista, dotada de nuances e questionamentos ímpares. O roteiro debate o casamento forçado, mas também expõe a possibilidade de se casar por amor; ele apresenta homens malvados e perversos, mas outros compreensíveis e progressistas; apresenta algumas mulheres coniventes com o sistema, e outras que questionam as regras. A sociedade complexa deste filme é filmada de perto, com um olhar ao mesmo tempo carinhoso e crítico, intensificado pelo uso inteligente dos enquadramentos e do espaço fora de quadro (vide a cena do tiro, a cena das palmadas). Esta é uma obra bela e madura, que confere justamente à personagem mais nova o germe de uma revolta futura, que a cineasta espera se espalhar por toda a sociedade.

    Quer ver mais críticas?

    Comentários

    • Cido Marques
      É feminista sim, tudo que viola a religião vigente do local é feminista.
    • Giovani R.
      Feminista? De feminista não tem é nada. O fato correto de não desejarem um casamento arrumado e de sofrerem com o cárcere, não significa que é uma visão feminista. Eu, hem?
    Back to Top