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    White God
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    White God

    A revolução dos bichos

    por Bruno Carmelo

    Desde o início, este drama húngaro efetua um paralelo entre a história de uma garotinha e a de seu cachorro. A pré-adolescente Lili (Zsófia Psotta) é abandonada friamente pela mãe que parte numa viagem, passando a morar com o pai indiferente. Ela não recebe amor de nenhum dos dois. Um caso semelhante ocorre com o cão Hagen, expulso de casa pelo pai de Lili, tendo que sobreviver num mundo que trata seres diferentes com crueldade. As mensagens iniciais são claras: pessoas sendo tratadas como animais, indivíduos que perderam a sua humanidade.

    Mas o roteiro de White God vai além ao criar uma sociedade perversa na qual todos os adultos são crápulas. No melhor dos casos, são hipócritas, no pior dos casos, são torturadores sádicos de animais. O filme retrata a vida nas grandes cidades como um calvário tirânico muito próximo das sociedades distópicas. Não existem grupos organizados nem instituições eficazes nesta selva de ruas e concreto. Instaura-se um contraste, portanto, entre o realismo das imagens e o tom fantástico da trama.

    Esse conflito é bem resumido na cena de abertura, com centenas de cachorros raivosos correndo pela cidade. É uma imagem potente, explorada nos cartazes, nos trailers, além do início e da conclusão do filme. O diretor Kornél Mundruczó faz deste momento seu grande trunfo que, apesar de repetitivo, tem o mérito de representar tanto o aspecto físico das filmagens (os cachorros parecem reais, e não produtos de efeitos computadorizados) quanto o tom de pesadelo da premissa.

    Ao mesmo tempo, a metáfora social é evidente: os cachorros apreendidos e sacrificados são os mestiços, que fogem às raças definidas. A alegoria racial é válida, mas tratada superficialmente pelo roteiro que não explora a vida dos cachorros de raça, ou os cachorros domésticos, nem encontra paralelos na parte humana do elenco, já que a garotinha é branca, de classe média, e não cruza outros casos de exclusão além do seu próprio. Outras questões importantes permanecem sem resposta: o que acontece com outros animais? Existem formas diferentes de prisão além dos canis?

    Mundruczó possui uma maneira particular de conduzir a trama. Empolgado com o uso dos espaços e com a câmera tremendo – até demais, diga-se de passagem – ele aposta numa estética operística, com trilha sonora grandiosa e movimentos de câmera amplos que pouco combinam com a trama intimista de Lili e seu cachorro. Ao mesmo tempo, é curiosa a escolha de tratar os cachorros como seres racionais. Filmando os cães como seres humanos capazes de elaborar planos complexos e estabelecer amizades duradouras com outros cães, através de planos/contraplanos e câmeras subjetivas, o diretor aproxima perigosamente a sua história das aventuras familiares de cachorros superdotados e falantes.

    O terço final de White God é o melhor momento do filme. Quando entra em cena a revolução dos cães, anunciada desde a cena de abertura, a montagem encontra um ritmo empolgante e a direção envereda pelas regras do terror, um gênero bastante adequado à trama. Até chegar ao clímax, Mundruczó percorre tons e ritmos nem sempre compatíveis, partindo de uma metáfora social evidente demais e terminando com uma metáfora social excessivamente dispersa. Um exemplo deste desnível é a última cena, belíssima em termos estéticos, mas pouco satisfatória como conclusão do conflito.

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