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    Por um Punhado de Dólares - Os Novos Emigrados
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    Por um Punhado de Dólares - Os Novos Emigrados

    O mito da globalização

    por Taiani Mendes

    Estamos na era da crise migratória, em que milhares de pessoas buscam a Europa sonhando escapar dos violentos conflitos de seus países. Há alguns anos, no entanto, o intenso movimento era motivado principalmente por outra razão: ascensão social. Por Um Punhado de Dólares - Os Novos Emigrados retorna a esse passado não muito distante para contar a história de três famílias divididas pela ambição. Tal e qual o pistoleiro interpretado por Clint Eastwood no faroeste homônimo, clássico de Sergio Leone, os protagonistas querem, precisam de dinheiro e para isso não hesitam em deixar seus respectivos países e línguas maternas.

    Jogando impressionantes dados numéricos na tela, referentes aos valores transferidos pelos expatriados, a trama começa na velha “terra das oportunidades” com um longo e incômodo (pelo que representa) passeio sobre o aparentemente interminável muro que separa o inglês do espanhol, a escassez da ostentação, San Diego de Tijuana, os Estados Unidos do México. Na pátria do Tio Sam é introduzido José Luis Vasquez, mexicano que decidiu ganhar a vida do outro lado da fronteira e arrastou junto a família. Após anos no país e ainda ilegal, ele é dono de academia, paga impostos, envia cerca de 800 dólares por mês aos parentes e tenta colocar um dos filhos numa universidade norte-americana. Os outros herdeiros não gostaram do american way of life e voltaram a morar onde nasceram assim que atingiram a maioridade, sem planos de retorno. O segundo personagem é Ibrahim Suware, gambiano que deixou pai e irmãos para tentar a sorte na Alemanha e se divide entre o trabalho num restaurante, a preocupação com as conexões africanas e a saudade da esposa e filhos alemães, que não moram na mesma cidade que ele. Por fim, surgem os brasileiros Seidi e Leonardo Takano, irmãos que se mudaram para o Japão de suas origens procurando dinheiro para a quitação de dívidas do pai, mecânico debilitado, morador de Goiás.

    Intercalando entre os diferentes dramas, línguas e nações – numa mudança constante de territórios que enriquece a experiência do espectador –, o documentário de Leonardo Dourado justifica seu título investigando a fundo as transações financeiras de seus personagens. Todos revelam o quanto mandam para seus parentes e são até filmados fazendo remessas, dentro da proposta extremamente ilustrativa de direção. Vemos o envio e acompanhamos também a recepção do outro lado do oceano (ou do muro). Conhecemos suas casas novas e descobrimos como vivem os que ficaram para trás. Suware joga comida no lixo enquanto lava pratos em Munique e na sequência moradores de Gâmbia tentam multiplicar os mantimentos. O pai dos Takano conta como se acidentou e a câmera repete seus movimentos nas telhas instáveis. As palavras não se sustentam sozinhas na trama de Dourado e se essa característica negativamente enche o longa de cenas redundantes, positivamente abre espaço para variados discursos. Não são apenas os personagens principais (José, Ibrahim, Seidi e Leo) que têm vez e voz. Os coadjuvantes que com eles convivem têm espaço individualizado para discursar e enriquecem a obra com reveladoras perspectivas por vezes dolorosas – como o desolado depoimento da mulher de Ibrahim, infeliz cuidando sozinha das crianças em Berlim. O dinheiro é o norte, mas os conflitos familiares são a alma de Por um Punhado de Dólares – Os Novos Emigrados.

    O tema é bom, os personagens rendem moderadamente, a sensação de intimidade é transmitida, mas o filme deixa a desejar na fundamental linguagem cinematográfica. Com aspecto visual de arquivo digital ultrapassado e acinzentado, Por um Punhado de Dólares tem branco estourado, trilha sonora invasiva que faz de tudo para induzir ao choro em momentos tensos, curta duração, planos básicos e imagens de apoio sem qualquer especificidade. Essas características o colocam muito mais próximo de uma reportagem especial de televisão do que de um exemplar da chamada sétima arte. Filmado principalmente entre 2009 e 2011, o longa também tem contra si o tempo. Exibido no tradicional festival de documentários É Tudo Verdade em 2014, ele chega ao circuito comercial com o republicano anti-imigração Donald Trump no poder e poderia tirar grande vantagem disso apresentando comentários recentes de seus personagens a respeito da situação crítica, porém não há nada do tipo. Sendo assim, é notável a falta de timing do ultrapassado discurso otimista dos mexicanos no fim. Soa ridículo. O fato de um jovem ilegal não poder ir para a faculdade – discussão que inclusive se estende além do necessário, apesar de sua validade – torna-se ínfimo diante da iminência da deportação, palavra de ordem do Estado hoje extremamente xenófobo. Xenofobia, aliás, que não é abordada em momento algum e também faz bastante falta.

    O título “Os Novos Emigrados” já não corresponde à realidade, pois os emigrados recentes são muito mais refugiados do que trabalhadores em busca de maiores salários. Os novos tiveram seus endereços apagados, laços cortados e objetivos redefinidos. Não têm para quem ou onde mandar dinheiro. Querem sobreviver em paz. Estão na tela os velhos, nadando num sistema quebrado e tentando equilibrar suas prioridades.

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