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    Belas Famílias
    Críticas AdoroCinema
    2,0
    Fraco
    Belas Famílias

    Laços do passado

    por Francisco Russo

    Após um hiato de 12 anos desde seu último longa-metragem, Viagem do Coração, o diretor Jean-Paul Rappeneau retorna ao cinema com um filme que, de certa forma, reflete muito do cinema francês que tem aparecido no circuito de arte brasileiro ultimamente. Belas Famílias é mais um típico filme leve, ameno e açucarado, repleto de paisagens bucólicas e protagonizado por uma estrela local, para dar um certo charme - no caso, Mathieu Amalric. Trata-se de um tipo de cinema palatável, com a grife de uma produção europeia e sem os histrionismos típicos de Hollywood, que curiosamente ocupa no circuito comercial um espaço que, teoricamente, deveria ser de filmes mais ousados ou de cinematografias menos badaladas. O que não é demérito algum, diga-se de passagem, apenas uma constatação de que, mesmo no circuito alternativo, há também um certo perfil a ser atingido.

    Questões mercadológicas à parte, Belas Famílias é um filme com um forte pé no passado, e no quão difícil é se desvencilhar dele. Este é o duelo interno vivenciado por Amalric, que anos atrás abandonou família e amigos para ir morar na China. Lá constituiu uma nova vida, com direito a noiva e um empreendimento em crescimento. Quando precisa ir a Londres para fechar um importante negócio, resolve passar pela casa da família em Paris e, ao chegar, descobre que a velha casa de seu pai é alvo de uma intensa disputa entre sua mãe e a segunda esposa do falecido.

    Há neste reencontro algumas pistas importantes do que está por vir. Se a personalidade de mãe e irmão são escancaradas a partir de estereótipos, sejam comportamentais ou de preconceito com o estrangeiro, há também uma ambiguidade no próprio personagem de Amalric. Por mais que tenha desentendimentos sérios com o irmão, como demonstra a súbita briga infantilizada entre eles, há também um laço afetivo que lhe prende àquele núcleo. É graças às memórias de infância que Amalric parte para rever a casa onde cresceu, na esperança não propriamente de resolver o problema de posse mas de reencontrar a si mesmo, perdido em meio ao exílio auto-imposto em outro continente. É como se fosse uma volta para casa, por mais que seja através de vias tortas. Um "banzo francês", por assim dizer.

    Por mais que esta dicotomia entre olhar para o futuro, representado pela noiva chinesa e o acordo comercial a ser assinado, e relembrar o passado seja o norte central do longa-metragem, Rappeneau no fim das contas dá pouco destaque à esta busca interna. Tudo porque, tão logo Amalric chega ao local, o roteiro rapidamente se esforça em estabelecer triângulos amorosos em torno da bela (e insípida) Marine Vacth. A partir de então, Belas Famílias segue a fórmula tradicional das comédias românticas, com desavenças típicas entremeadas e crises de ciúme impulsionadas por atitudes súbitas e abrutalhadas, cujo maior objetivo é fazer com que o público torça para o casal principal. Simples assim.

    A grande questão é que tal virada termina por apequenar demais o longa-metragem, que passa a se basear mais em conflitos de ocasião conduzidos de forma extremamente maniqueísta, seja pelos rumos dos personagens coadjuvantes ou até mesmo pela trilha sonora, que antecipa as emoções que estão por vir. Tudo muito óbvio, tudo muito fácil, tudo muito quadrado. Além disto, Rappeneau insere cenas cujo único objetivo é explorar o corpo de Vacth. Basta observar a insistência em mostrá-la deitada na cama, com as pernas à mostra, em três oportunidades distintas e o cômodo giro feito por Amalric para que a câmera possa melhor focalizá-la nua, de costas. Todas cenas desnecessárias que, por mais que ressaltem a sensualidade latente da atriz, destoam do que o filme representa como um todo e até mesmo do tom adotado até então pela narrativa. Típica representação machista de como o corpo feminino é explorado de forma gratuita no cinema, nada além disto.

    Com um final acomodado e extremamente piegas, Belas Famílias se perde nos esforços em buscar a banalidade. Toda a analogia sobre afastar-se dos laços do passado para construir uma nova vida aos poucos é deixada para trás, em parte também pelo pouco interesse em detalhar o tal imbróglio jurídico. Com um Mathieu Amalric em piloto automático e um elenco apenas razoável, acaba sendo apenas mais um filme leve, ameno e açucarado, repleto de paisagens bucólicas e absolutamente indolor a chegar aos cinemas brasileiros.

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