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    Feito na América
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Feito na América

    Pobre piloto milionário

    por Taiani Mendes

    A sequência que mais chama a atenção no trailer de Feito na América é Tom Cruise fugindo coberto de cocaína da cabeça aos pés. É completamente inesperado e bastante curioso ver o astro acostumado a personagens heroicos e insubordinados repletos de razão se colocar em tal posição aos 55 anos, mais de 35 de carreira. Cômico até. E infelizmente é exclusivamente com a finalidade de fazer rir que a cena está no filme. Barry Seal, figura real interpretada por Cruise neste longa de Doug Liman, transporta quilos e mais quilos de cocaína entre a Colômbia e os Estados Unidos, vive uma mentira sob intensa pressão, compra bicicletas de crianças cheio de pó na cara, mas não cheira. Entrega armas, mas não atira. É ameaçado diretamente de morte, mas não mata. Infringe inúmeras leis, mas na verdade é a vítima. Seus grandes pecados são enganar, ser ambicioso e confiar num agente da CIA. Seu maior problema se torna ter dinheiro demais. Pois bem, no fim das contas não vemos um Tom Cruise tão transgressor assim. É inegável, no entanto, o caráter arrojado do novo fruto da parceria Cruise/Liman, iniciada no também levemente ousado No Limite do Amanhã.

    No fim dos anos 1970, Barry é um piloto de avião que contrabandeia charutos para aumentar os rendimentos da família, trabalha tão entediado que se diverte sacudindo a aeronave para acordar os passageiros e deseja tanto novos desafios que acredita prontamente num estranho (Domhnall Gleeson, cheio de energia) que o aborda dizendo ser da CIA e querendo contar com suas habilidades acima da média em uma missão internacional confidencial. “Agir sem pensar” é uma de suas falhas, ele admite no vídeo caseiro posterior aos eventos que pontualmente surge como boa narração comentada. O reforço por meio de palavras é fundamental para que o público acredite nas loucuras que os olhos veem e o discurso engraçadinho do aeronauta refina o tom sarcástico da trama (por outro lado o vitimismo também ganha com a voz mais força). Feito na América tem como principal destaque a zombaria para cima do presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan; de instituições clássicas como a CIA, o FBI, a DEA e a Casa Branca; e de estadunidenses em geral, sem poupar nem mesmo o protagonista.

    Os norte-americanos são ruins de geografia e obcecados pela glória, homens que se dão bem mais pelos infindáveis recursos e senso de oportunidade (ou timing) do que pela inteligência. Barry se vê no meio de uma gigante e embolada rede apenas por ter aceitado trabalhos e são os empreendedores colombianos os verdadeiros estrategistas, mas no fim das contas nada disso importa, pois quem dita as regras é invariavelmente o mais poderoso dos caciques. Foi usada a palavra homens porque às mulheres da trama nada resta além de observar. Judy (Lola Kirke) aparece em só uma cena, alertando em vão o marido xerife (Jesse Plemons, outro desperdiçado) a respeito dos investimentos de Barry; Dana (Jayma Mays) é uma juíza de mãos atadas; e Lucy (Sarah Wright), a companheira do personagem principal, está sempre em casa para cuidar dos filhos, esconder cada vez mais dinheiro e transar nos raros momentos em que ele não está viajando. Inacreditavelmente não há conflito doméstico pela ocupação incomum do piloto e sequer a entrada em cena de um membro familiar é capaz de aumentar a relevância da lady Seal. Barry não a trata como esposa troféu, mas é assim que ela é retratada.

    A insanidade dos anos 70 e 80 - e da trajetória de Barry em si - é transposta do roteiro de Gary Spinelli para imagens com muita câmera instável, zoom in prescindível, enquadramentos “tortos” (como os enquadrados) e planos de curtíssima duração, seguindo o ritmo pra frente do protagonista e a escalada acelerada dos acontecimentos. A velocidade é valiosa para a comédia, gênero que deixa a ação em segundo plano no longa, mas não chega ao ponto de provocar gargalhadas – a não ser que você se divirta muito com policiais se ferrando. A tensão é restrita às dificuldades dos voos de volta aos Estados Unidos e um ou outro contato mais “pisando em ovos” com os traficantes. O que motiva o público é unicamente ver até onde vai o nó engendrado por Seal, vivido com bastante carisma por Cruise. O american way of life tem seu preço mesmo na chamada Terra das Oportunidades e o filme de Liman é contundente como raras superproduções em seu ataque ao cartel institucional do Tio Sam.

    A “incrível” história real acaba sendo realmente incrível pelo excesso de inocência do protagonista, porém o absurdo todo revela-se bastante espirituoso e muito bem dirigido. Em tempos de Donald Trump, o amargo e irônico “Que nação maravilhosa é a América!” repetido pelo aviador não poderia soar mais atual.

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