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    A Linguagem do Coração
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    A Linguagem do Coração

    Aprendendo a viver

    por Francisco Russo

    A cena inicial de A Linguagem do Coração é reveladora: a jovem Marie ao ar livre, sorrindo ao sentir o calor do dia no rosto. A câmera abre lentamente, de forma que o espectador perceba que aquela garota tão feliz está na verdade amordaçada na carroça que a conduz. O contraste entre liberdade e prisão conduz boa parte da narrativa, só que de forma mais profunda: a personalidade de Marie presa em um corpo que supostamente lhe impede de manter contato com o mundo exterior.

    Baseado em uma história real, ocorrida no final do século XIX, A Linguagem do Coração acompanha o encontro entre Marie Heurtin e a irmã Marguerite. Decidida em fazer com que a jovem cega e surda tenha uma vida de fato, abandonando a mera existência, ela assume a árdua tarefa de socializá-la. É neste ponto que o filme brilha pela autenticidade, já que a intérprete escalada para a personagem principal é Ariana Rivoire, surda e parcialmente cega de nascença. Tal escolha traz uma realidade impressionante, especialmente nas cenas de confronto entre Marie e Marguerite, que nada mais são do que a resistência ao novo em seu estado bruto - o único que a jovem conhece naquele instante.

    De certa forma, há muito de O Enigma de Kaspar Hauser neste novo trabalho do diretor Jean-Pierre Améris (Românticos Anônimos). Assim como no filme dirigido por Werner Herzog, aqui o personagem principal nada sabe sobre como se portar perante outras pessoas, e sequer como se comunicar. Ambos os filmes possuem fortes laços antropológicos, no sentido de ressaltar o quão importante é o aprendizado da linguagem para o desenvolvimento como pessoa. A diferença é que, aqui, há um tom mais afetuoso que passa também por uma certa religiosidade. Tudo graças à irmã Marguerite, em bela atuação de Isabelle Carré.

    Uma das melhores (e mais subestimadas) atrizes francesas da atualidade, Carré se entrega à personagem. Se através do olhar transmite a preocupação e o carinho necessários, é na postura corporal que vem o lado decidido (e até obcecado) em fazer com que a jovem consiga evoluir como pessoa. Entretanto, por mais que os esforços e avanços de Marguerite sejam tocantes, é inevitável dizer que o roteiro entrega certos facilitadores em relação ao aprendizado. Um exemplo é o nítido salto no tempo exatamente quando Marie precisa aprender palavras abstratas e verbos. Por mais que seja uma saída até compreensível, por ser este aprendizado bem mais complexo de ser retratado, ainda assim é uma lacuna relevante diante da história como um todo.

    Apesar deste deslize no roteiro, A Linguagem do Coração é um bom filme. Muito pela história retratada, tanto no aspecto emocional quanto no da linguística, mas também pelo apurado trabalho de preparação do elenco e pela opção em abordar a fé sem jamais tentar pregá-la ao espectador.

    Filme visto no 17º Festival do Rio, em outubro de 2015.

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