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    Periscópio
    Críticas AdoroCinema
    1,5
    Ruim
    Periscópio

    Solidão

    por Francisco Russo

    Dois homens, um apartamento, ninguém ao redor. Esta poderia ser uma síntese da essência de Periscópio, tamanha é a importância da solidão na narrativa. Élcio e Eric não têm ninguém mais a quem recorrer, seja para sorrir ou chorar, já que não há outra pessoa no prédio onde moram e, aparentemente, nem mesmo no mundo. Só os dois, dia após dia, o que desgasta cada vez mais o relacionamento.

    O primeiro ato de Periscópio é dedicado apenas a retratar o quão ruim é o convívio entre os dois protagonistas. Um debocha do outro, imitando o tom de voz e os abusos cometidos (de acordo com seu ponto de vista). O stress é tamanho que, em certos momentos, beira a agressão física. A força de tal conflito iminente é ampliada pelas atuações raivosas de João Miguel e Jean-Claude Bernardet, um tentando provocar mais o outro. O Élcio de Miguel é o mais calmo, em parte pela devoção a São Jorge. É ao santo que ele recorre quando busca por paz, seja colando uma estatueta danificada ou até mesmo elaborando uma vestimenta em sua homenagem.

    Quando o filme caminha para um drama tenso envolvendo estes dois solitários, surge o periscópio do título. E o diretor Kiko Goifman muda o filme por completo. Com o objeto em cena, exalando uma gosma estranha, surge o mistério: quem o colocou ali? Há alguém por trás dele? Qual é o seu objetivo? Dispostos a encará-lo (e enfrentá-lo), Élcio e Eric unem forças. O objetivo: se exibir para ele. Simples assim.

    Em meio a tantos questionamentos – mais um: o que afinal de contas acontece fora do apartamento? -, Goifman poderia seguir vários rumos. O realismo fantástico era uma opção, aproveitando o inusitado de um periscópio emergindo do chão de uma sala. Assumir o viés da ficção científica era outra, de alguma forma relacionando com o ambiente fora do apartamento. No fim das contas, o diretor optou por transformar o periscópio numa espécie de câmera, insinuando um voyeurismo contínuo que, para ser saciado, provoca um exibicionismo histriônico. É a partir de então que o filme se perde por completo.

    Não demora muito para que o clima de estranheza da súbita aparição seja transferido para o comportamento da dupla protagonista, cada vez mais bizarro e sem sentido, jogando por terra a complexa relação de ódio estabelecida até então. O tema da solidão, da mesma forma, vai embora. Miguel e Bernadet seguem soltos em cena, como se estivessem o tempo todo improvisando, com o único compromisso de atuar para o periscópio. O mistério criado até então torna-se irrelevante, já que a narrativa pouco trabalha as possibilidades existentes.

    Ao término da projeção, a sensação que fica é a de desperdício de uma boa ideia. Uma pena, pois o primeiro terço de Periscópio insinuava um filme bem mais interessante.

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