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    Respire
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Respire

    Amor em excesso

    por Bruno Carmelo

    Respire traz a aproximação entre dois universos femininos opostos. De um lado, temos a tímida adolescente Charlie (Joséphine Japy). Do outro, a extrovertida e sensual Sarah (Lou de Laâge). A primeira sempre levou uma vida tranquila com os colegas, já a segunda é a nova aluna da escola. O que seria do cinema adolescente sem a tradicional cena do(a) aluno(a) novato (a) que entra pela porta da sala de aula e imediatamente arrebata o coração do(a) protagonista(a)? As duas não tardam a se aproximar e se tornar íntimas. Nasce uma mistura complexa entre admiração, amizade e paixão.

    Narrativamente, o filme apresenta algumas ousadias dignas de nota: a partir de uma primeira metade expositiva e naturalista, a diretora investe no suspense sombrio, quando a ligação entre as protagonistas torna-se obsessiva. Talvez o ritmo acelere demais a valsa entre as garotas: Mélanie Laurent multiplica as cenas de riso para demonstrar intimidade, e depois exibe sucessivas imagens de bullying quando a amizade se degrada. A montagem torna a atração acessória demais: Charlie recebe o convite para uma viagem, e na cena seguinte, Sarah liga dizendo que ainda não tem planos para aquele fim de semana; Charlie revela-se virgem, e na cena seguinte um rapaz gentil flerta com ela. A progressão não é muito sutil.

    Mesmo assim, Respire efetua uma bela construção de ambiguidades. Não se compreende ao certo os limites deste relacionamento, nem da alternância de poder entre as duas. É sempre delicado passar da euforia ao suspense, e o filme efetua esta troca muito bem, em uma ótima cena de viagem. Mudanças microscópicas ocorrem entre as personagens, perceptíveis pelo retrato eficaz dos espaços, dos olhares, dos pequenos gestos. Ao final da cena, Charlie pergunta a Sarah: “O que realmente aconteceu naquele fim de semana?”. O espectador possivelmente terá a mesma dúvida na cabeça, o que representa uma sensação muito positiva: estamos certos de termos presenciado algo importante, sem saber exatamente o quê. Domina-se assim a própria matéria do suspense.

    Momentos como estes são trabalhados pela construção cuidadosa das imagens. A câmera acompanha as protagonistas pela escola ou pelo campo, atenuando as emoções com imagens de costas, ou semeando incertezas com sobreposições de Charlie e Sarah aos reflexos nos vidros das janelas. Alguns críticos deploraram o excesso formal - uma acusação que talvez se justifique. Mas é louvável encontrar uma direção confiante, que adota um ponto de vista e explora-o até o fim. Laurent demonstra prazer na construção de enquadramentos e nos jogos de iluminação, e o faz de modo condizente com sua narrativa.

    Um dos maiores problemas nesse retrato feminino é a presença asfixiante do discurso determinista. A montagem insiste que Charlie é condescendente com as agressões porque reproduz o comportamento de sua mãe (Isabelle Carré) em relação ao pai, enquanto Sarah seria agressiva por copiar os gestos da mãe (a ótima Carole Franck). Não existe muito espaço para a subjetividade: as garotas estão condicionadas a repetir a estrutura emocional que vivenciaram em casa, entregando-se a uma relação sadomasoquista por carência afetiva. É compreensível que a trama investigue a origem do comportamento das protagonistas, mas a explicação fornecida é simplória do ponto de vista psicológico.

    Devido a questões como essa, a conclusão chocante pode parecer artificial, pela inabilidade de Joséphine Japy em construir uma evolução tão grande de sua protagonista. Lou de Laâge, pelo contrário, rouba as cenas ao construir uma Sarah dúbia e cativante. Por fim, Respire está marcado por certos pontos fracos, algumas ambições que não se concretizam plenamente na tela. Mas ele representa o gesto de uma diretora interessada na construção de clima, na articulação entre estética e discurso, e no aprofundamento do retrato feminino. Se for para cometer erros, que sejam plenos de vontade e de vigor. Mélanie Laurent continua demonstrando um futuro muito promissor atrás das câmeras.

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