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    Fora do Figurino - As Medidas do Jeitinho Brasileiro
    Críticas AdoroCinema
    1,0
    Muito ruim
    Fora do Figurino - As Medidas do Jeitinho Brasileiro

    Alerta! Calamidade pública!

    por Bruno Carmelo

    Talvez você não esteja sabendo, mas existe um problema aparentemente muito sério no comércio brasileiro: a falta de medidas nas roupas. As saias apertam na cintura, os sapatos machucam, as calças precisam ser reduzidas, as camisas exigem ajustes, é sempre necessário provar antes de comprar. Isso tudo pode levar a problemas médicos (dores na coluna, por exemplo) ou econômicos (desperdício de tecido, baixa rentabilidade na indústria têxtil).

    O tema deste documentário é inusitado, e poderia ter rendido um estudo aprofundado sobre a cultura local, o corpo dos brasileiros e a herança colonial. No entanto, o diretor Paulo Pélico parece mais fascinado com as muitas dezenas de entrevistados que tem à sua disposição. Usando uma montagem excessivamente fragmentada e precária do ponto de vista técnico, o filme faz desfilar uma pessoa atrás da outra, cada uma com seus vinte segundos de tela, para dar mais ou menos o mesmo depoimento: a roupa não serve, é preciso fazer ajuste, os corpos não são todos iguais etc.

    A direção é certamente empenhada, mas faz um uso ingênuo, extremamente didático da linguagem audiovisual. Os depoimentos se organizam por grupos: quando uma pessoa começa a falar dos sapatos, a montagem procura todos os trechos em que cada entrevistado fala dos sapatos, e cola-os um após o outro. Quando uma pessoa fala dos provadores nas lojas, seguem mais 5 pessoas comentando os provadores. E assim por diante. O problema é que, como todos dizem exatamente a mesma coisa, o filme se repete, se arrasta, mas não sai da constatação de um contexto.

    Entre os entrevistados, Pélico conversa sem distinção com anônimos, índios da Amazônia, atores globais e ministros. Ao invés de os políticos falarem sobre as políticas públicas, eles falam sobre o tamanho de seus colarinhos. Ao invés de os atores comentarem algo relacionado à fama ou à profissão, eles dizem banalidades sobre as barras de suas calças jeans. Essa aparição de celebridades tenta funcionar como um valor adicional do filme, embora ele não faça nenhum proveito específico destes nomes. Resta o fetiche típico da vida dos famosos. Você sabia que Odilon Wagner costuma dormir com os pés para fora da cama? Ou que Regina Duarte corta sozinha a barra da calça, e Ana Maria Braga costuma retirar 20 cm da barra de suas calças? Pois agora sabe.

    É preciso ressaltar que existem tentativas de aprofundar o tópico e torná-lo mais complexo, mas elas são tristemente abandonadas. Um sociólogo e um economista associam as medidas das roupas à herança portuguesa, aos padrões importados da Europa e à miscigenação típica da população nacional. Mas estes dois homens, juntos, têm apenas alguns minutos de discurso, e o conteúdo de suas falas não é desenvolvido. A direção tenta inclusive expandir o problema da falta de medidas para outros objetos e roupas, como os uniformes de trabalho, os preservativos, os caixões e os corrimãos. Mas uma defesa tão fervorosa da aplicação de medidas e da extrema personalização dos produtos começa a beirar o desnecessário, e mesmo risível.

    Na verdade, maior do que a questão da relevância do tema, há um problema ideológico, ou mesmo ético, em Fora do Figurino. O diretor tem todo o direito de defender o seu ponto de vista (a defesa dos estudos antropométricos), mas ele basicamente coloca nas imagens cerca de cinquenta pessoas que não fazem nada além de concordar com ele. Não existe discussão, reflexão, diferentes pontos de vista. Todos entoam um mesmo eco: Precisamos de mais medidas!

    Ora, muitas pessoas defendem, por razões práticas ou ideológicas, o uso da padronização. Alguns governos de esquerda, por exemplo, defendiam o uso dos uniformes justamente como uma maneira simbólica de reduzir as diferenças, de oferecer os mesmos direitos a todos. Mas estas pessoas não são representadas pelo documentário. Pelo contrário, o filme defender inclusive uma construção diferente das carteiras escolares no nordeste ou no sul do país, para se acomodar ao fato de que os nordestinos seriam todos mais baixos. Uma medida dessas, além de cara, seria extremamente polêmica do ponto de vista ético e cultural, porque defenderia a separação entre etnias, culturas e grupos sociais para se ajustar à lógica capitalista – a defesa do documentário é de que a especialização e personalização venderia mais.

    Pior do que isso, o filme chega mesmo a defender, como um ato caridoso, a técnica de um biólogo que decidiu, isoladamente, fazer medidas específicas dos crânios dos índios, para compreender suas particularidades anatômicas. Ora, por que ele quer fazer isso? Por que será que nenhum outro biólogo o acompanha nesta missão? Talvez seja porque este tipo de medida do crânio tenha sido abandonada há quase um século, desde que cessaram as tentativas racistas da ciência em provar que os negros eram naturalmente inferiores. Até que ponto é preciso distinguir o crânio de um índio e de um branco? Por que, neste filme, brancos são vistos em caras cabines de body scanning, enquanto índios são medidos com pinças mecânicas e precárias? Como isso seria útil para o comércio, ou para o conhecimento do povo brasileiro?

    Aos poucos, Fora do Figurino aprofunda sua obsessão pela necessidade de medidas específicas. O discurso do filme é tipicamente pós-moderno, acreditando que o ideal da produção comercial seja adequar-se exatamente a cada cliente, personalizando ao máximo, enquanto são segregadas as raças, os sexos, as nacionalidades. O final, com uma dança multiétnica, comprova esta tentativa pseudo clemente de celebrar a diversidade nacional, enquanto diverte-se com o fato de que as pessoas parecem não pertencer ao meio em que se inserem – quando um homem branco e tatuado dança alegremente pelas ruas do bairro japonês da Liberdade, em São Paulo.

    Em seu discurso neoliberal, o documentário repete, durante longuíssimos 73 minutos, a urgência da aplicação de medidas, sem as quais criaremos problemas gravíssimos, como ter que comprar a parte de cima do biquíni de um tamanho, e a parte de baixo de outro. Dá quase vontade de esquecer Marco Feliciano, Renan Calheiros, a questão dos royalties do petróleo, as enchentes nas cidades, os agrotóxicos nas comidas, os conflitos no Oriente Médio, e descer nas ruas, com placas e faixas, gritando a plenos pulmões: "Medidas já! Queremos medidas antropométricas já! Meu busto tem direitos! Meu culote tem direitos!".

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