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    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
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    Crime e castigo

    por Bruno Carmelo

    A primeira hora deste filme argentino possui qualidades técnicas, estéticas, narrativas e morais muito raras dentro do gênero da comédia popular. A trama, simples e criativa, gira em torno de Betina (Carla Peterson) e Richard (Juan Minujin), praticantes da troca de casais, que desejam incluir os amigos próximos Diego (Adrian Suar) e Emilia (Julieta Diaz) nesta dinâmica amorosa.

    Esta premissa permitiria todos os tipos de piadas vulgares e trocadilhos de conotação sexual, mas o roteiro surpreende ao tratar seu tema com respeito e naturalidade. Aos poucos, o casal com vida monótona e baixa frequência sexual começa a passar por diversos questionamentos compreensíveis diante da opção de troca de casais: dúvida, ciúme, questionamento sobre a virilidade do homem que “cede sua mulher” ao outro, hesitações de ordem moral, o medo de perder a amizade etc. Os diálogos, realistas, estão recheados de hesitações, com personagens interrompendo uns aos outros, corrigindo-se e gaguejando, como poderia se esperar diante de tal momento de instabilidade.

    É mais do que louvável que as mulheres, geralmente renegadas a uma posição sexista nestes filmes, sejam aquelas com maior prazer sexual, tendo que convencer os homens recatados a aceitar a prática. Tecnicamente, a produção é simples e eficiente, com uma tentativa manifesta do diretor em tornar a trama ágil, propondo algo além da simples lógica televisiva do plano e contra-plano. Já os atores desempenham com grande desenvoltura seus papéis, sem jamais cair na caricatura fácil.

    Para dar uma complexidade ainda maior à trama, o roteiro começa a expandir a noção de desejo, incluindo personagens transexuais, homens gordos e efeminados - mas bissexuais, e desejados por todas as mulheres. Chega-se mesmo a sugerir uma possível reconfiguração da família, quando Betina, Richard, Diego e Emilia dormem juntos e depois acordam felizes, os quatro nus, para preparar o café da manhã ao filho de um dos casais. A trama é surpreendentemente progressista, descomplexada.

    Mas quando tudo anda bem demais, o filme se transforma. Surge uma reviravolta súbita, artificial, para colocar esta felicidade poligâmica em xeque. Como num deus ex machina cruel (que aqui, seria a própria moral religiosa), os personagens passam a questionar seus atos, se arrepender do que fizeram, achar que foram longe demais. As cenas ensolaradas de café da manhã são trocadas por casais chorando, gritando ou sussurrando em cômodos escuros, dizendo: “Nós estávamos brincando com fogo”. Assim, as mulheres liberais recalcam seus desejos, os homens seguros redescobrem o machismo e a amizade termina, para provar que os quatro cometeram um crime irremediável.

    No final, reina uma grande sensação de tristeza diante de 2 mais 2. O diretor e os produtores desperdiçaram uma das melhores comédias populares dos últimos tempos com um retorno conservador à moral cristã e aos bons costumes. Que o espectador defenda ou recuse a ideia de um amor poligâmico, o que mais incomoda no filme é sua hipocrisia, começando com discurso e terminando com outro simetricamente oposto. Fosse ele contra a troca de casais desde o começo, pelo menos ganharia em coerência discursiva. Mas 2 mais 2 vende seus ingressos com a promessa maliciosa de sexo livre, para depois mandar seus personagens de volta à cama familiar, ao tédio de um matrimônio infeliz.

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