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    Instinto Materno
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Instinto Materno

    A classe dominante

    por Bruno Carmelo

    Cornelia (Luminita Gheorghiu) é uma mãe frustrada. Ela tem muito dinheiro, mantém contatos com pessoas influentes, mas é rejeitada pelo próprio filho, Barbu (Bogdan Dumitrache), um homem de 34 anos que pretende evitar a intrusão materna em sua vida. A primeira cena gira em torno das reclamações de Cornelia a respeito do filho. “Está vendo os hematomas?”, ela indica no braço à irmã de seu marido, em referência a uma briga. Apesar da posição social privilegiada, Cornelia considera-se uma pobre sofredora.

    Esta personagem é o centro do drama romeno Instinto Materno, cuja história poderia, de modo geral, ser dividida em duas. Na primeira metade, o diretor Calin Peter Netzer esboça uma ácida crítica das relações de classe, incluindo cenas implacáveis com a empregada doméstica da protagonista. A hipocrisia burguesa atinge o ápice quando Barbu atropela um garoto de 14 anos de idade, e não presta socorro. O menino morre. Sem o menor remorso, todos exploram o acidente da maneira mais conveniente: Cornelia deseja ser mais uma vez indispensável na vida do filho, utilizando os seus contatos e o seu poder de suborno, e o filho aproveita para ser tratado como vítima traumatizada, como se fosse ele o grande injustiçado no caso.

    É curioso que a narrativa seja inteiramente centrada em pessoas arrogantes, grosseiras, desagradáveis. Para estabelecer uma distância em relação às suas atitudes, mostrando que não as defende, a direção parte para um esboço intermediário entre a crítica e a caricatura: as mulheres estão sempre impecavelmente vestidas em seus casacos de pele, e Cornelia não hesita a alterar o depoimento do filho, na frente dos policiais. O mimado Barbu pede a uma enfermeira que abra uma nova seringa na sua frente quando vai tirar sangue. “Eu pago”, ele insiste. A família em questão é fútil, e o cineasta reforça este traço sem recorrer ao humor, mas de maneira a condenar o seu comportamento desumano diante da tragédia.

    A segunda metade de Instinto Materno, no entanto, toma outro rumo. Se antes caminhávamos para um filme policial (com a pergunta “Barbu será preso?” em mente), o acidente torna-se um mero pano de fundo para o roteiro explorar as crises pessoais dos membros da família, os remorsos anteriores ao atropelamento. Sem afetações, os atores conseguem desempenhar com naturalidade cenas duras de confrontos, como a briga do filho com a mãe e a descrição de cenas de sexo que a esposa de Barbu faz à sogra. Cornelia torna-se uma personagem cada vez mais complexa, magistralmente composta por Gheorghiu como alguém agressivo e frágil ao mesmo tempo. Ela só quer ser amada, mas da maneira pragmática e egocêntrica de quem sempre conseguiu o que quis.

    Netzer adota o tratamento realista já conhecido no novo cinema romeno, mas com uma aparência mais suja e tensa do que em títulos como A Morte do Senhor Lazarescu ou 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias, por exemplo. Neste caso, a câmera está sempre no ombro, tremendo, deslizando freneticamente de um personagem ao outro, fazendo zooms in e zooms out para enquadrar o que deseja. É uma imagem nervosa, instável, aliada a uma fotografia que não faz a menor questão de embelezar as pessoas ou os cenários. É muito interessante que os ricos sejam tratados com tamanho descaso pela imagem, algo que certamente denota uma postura política e moral do diretor.

    Depois de tantos minutos passados com estas pessoas insuportáveis e suas batalhas de egos, o final é surpreendente. O roteiro decide enfim humanizar todas as pessoas em jogo, tanto as vítimas (que não tinham voz até então) quanto o próprio agressor. A cena impressiona esteticamente, por retirar os ricos das salas escuras de suas mansões em direção aos cômodos claros e abençoados da casa pobre. As atuações estão em plena forma nesta cena exigente, mas fica a impressão de que, após um retrato tão ácido e negativo, o filme termina com um tom inesperadamente condescendente. Sem entrar em detalhes, pode-se dizer que a cena final absolve todos os envolvidos, com uma facilidade e um otimismo questionáveis. De qualquer maneira, Petzer pretendia construir um drama moral, com grandes conflitos humanos envolvidos (algo que Asghar Farhadi e Michael Haneke, por exemplo, fazem com maestria), e consegue cumprir o desafio.

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