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    Brasília 18%
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    Alexandre Leite Turella
    Alexandre Leite Turella

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    4,5
    Enviada em 17 de setembro de 2023
    “Mas afinal, o que é o próprio governo senão o maior de todos os reflexos da natureza humana? Se os homens fossem anjos, não seria necessário haver governos”.

    O filme Brasília 18% nos deixa indignados com o mal comportamento dos personagens. Silvio Romero, Senador da República que detesta os trópicos e o povo pigmeu que o elegeu. Olavo Bilac, médico legista que lembra o esquizofrênico John Forbes Nash de “Uma Mente Brilhante”, homem fraco e vacilante incapaz de suportar as pressões do mundo real e escravo do mundo dos sonhos em que vive. Eugênia Câmara, orgíaca assessora parlamentar que descobre as falcatruas do Senador favorecendo seus cúmplices através de malversação de dinheiro público. Augusto dos Anjos, cineasta preso como suspeito de ter assassinado Eugênia, denunciador das tramoias do senador. Ex guerrilheira que depois confessa ser também ex mãe de Eugênia. Ninguém é o que deveria ser. Ninguém é o que aparenta ser.
    Estratificação da sociedade brasiliense, Plano Piloto e Sobradinho, o publico e o privado convivendo numa simbiose estranha, prostitutas e autoridades, lobistas e agregados, funcionários públicos, bajuladores e aproveitadores todos convivendo num universo de interesses, na luta pela sobrevivência, cada um buscando seus objetivos mais ou menos ambiciosos. Brasília 18% apresenta todas estas dimensões.
    Hamilton, em “O Federalista nº 6”, relembra ser característica dos homens serem “ambiciosos, vingativos e rapaces”. É neste cenário real e surreal que transcorre a trama do filme, onde se vê o poder usurpador, ilimitado, corrupto e corruptor.
    O federalismo brasileiro adotou o modelo norte-americano, com a separação dos poderes como forma de contenção dos abusos, no sistema de “poder freando poder”. Mas será que é isto que acontece no Brasil retratado no filme? Federalismo andando de mãos dadas com o Constitucionalismo, um mundo ideal unindo Montesquieu e os federalistas norteamericanos, mas com uma dimensão real, nas mãos daquilo que se poderia chamar de facções.
    Madison sugere, na pagina 254 do texto de Limonge, que através da multiplicação das facções é que se impede que qualquer interesse particular tenha condições de suprimir a liberdade no ambiente federativo. Todavia, o que acontece quando há convergência de interesses das diversas facções para um mesmo objetivo? Facção dos banqueiros, dos empreiteiros, das ONGs, dos sindicatos, dos partidos políticos e de tantos outros grupos de interesse que interferem na vida pública com o objetivo da manutenção do poder político, econômico e social, por meios quais forem, legais ou não.
    Na verdade, TODAS as facções tem um único objetivo: o poder. Neste sentido, quem é que vai neutralizar o efeito do “mal das facções”?
    A presença de grupos de interesse existe desde os primeiros tempos da república, sempre tentando adequar a Constituição aos seus desejos políticos. Na pagina 303 de Zimmerman, traduz-se tal situação sobre o que ele chama de “fatores reais de poder”: de uma sociedade contaminada pelo espírito oligárquico e clientelista permanescentes desde idos remotos de um triste passado colonial. O senador Silvio Romero retrata de forma fiel o retrato do espírito oligárquico e clientelista, em que o cargo público é a forma mais direta de ascensão ao poder, favorecendo o clientelismo primitivo da política do “toma lá dá cá”. Este poder, quando ameaçado, volta-se imediatamente contra o ameaçador, mobilizando os seus mecanismos pseudo democráticos de autovitimização por implacável perseguição política, chegando, no caso do senador Silvio Romero, até o derramamento de lágrimas pela injustiça de que diz sofrer. Paralelamente são mobilizados os torpes recursos da intimidação, da chantagem como forma eliminação das ameaças aos citados fatores reais de poder.
    A separação dos domínios Público e Privado que poderia ser estabelecida pela via constitucional, esbarrou, desde o início da República, numa denominada constituição sociológica, que nas palavras de Zimmermann é “eternamente vigente para infelicitar nosso país”. Esta estrutura ainda traz, até os dias atuais, a positivação do domínio e do ideal comum de domínio e poder por grupos de interesse. Deste modo, a república federalista é refém de tais grupos, dentro de uma rede de dependência que vincula o próprio governo a manutenção de seus interesses.
    A trama de Brasília 18% é atemporal, podendo a história ser transplantada para qualquer época do passado e possivelmente até do futuro.
    Os atores políticos e atores coadjuvantes da República Federativa do Brasil (e quiçá, numa proporção mais ou menos diferente, em outras nações federativas republicanas pelo mundo afora), foram mudando ao longo do tempo, mas o roteiro do filme sempre foi o mesmo.
    Não vejo como a corrupção retratada no filme Brasília 18% possa comprometer o pleno funcionamento do federalismo brasileiro, pelo simples motivo de que o Brasil sempre funcionou assim, desde antes do início da República Federativa.
    Porém se pode imaginar de forma ideal que a hipotética eliminação da corrupção retratada no filme poderia inequivocamente trazer enormes benefícios ao federalismo brasileiro, em todas as suas dimensões, fiscal, política e administrativa. O governo da União teria sua soberania fortalecida, e os governos dos estados teriam sua autonomia respeitada, o público e o privado manteriam adequada distância e a Constituição Federal seria o espelho em que se refletiria toda a máquina pública.
    O governo seria o reflexo desta ideal natureza, e tudo seria perfeito.
    Todavia, relembrando Madison, ...“Mas afinal, o que é o próprio governo senão o maior de todos os reflexos da natureza humana? Se os homens fossem anjos, não seria necessário haver governos”.

    LIMONGI, Fernando Papaterra. "O Federalista": remédios republicanos para males republicanos. In: WEFFORT, Francisco (org.). Os Clássicos da Política. 14ed. São Paulo: Ática, 2006, p. 149/165

    ZIMMERMANN, Augusto. Teoria Geral do Federalismo Democrático. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 299/307.
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