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    Os Sabores do Palácio
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Os Sabores do Palácio

    O luxo ao redor

    por Bruno Carmelo

    Esta poderia ser uma história de exceções. Afinal, Hortense Laborie conseguiu um emprego fora do comum, tornando-se a cozinheira pessoal do presidente da república, e foi a única mulher entre vários homens, a única pessoa a defender uma cozinha caseira, diante de chefs que preferiam a culinária refinada, e a única pessoa que não se importava com o luxo, enquanto os outros aproveitavam os privilégios de trabalhar dentro do Eliseu francês.

    Mas a grande surpresa deste filme é transformar uma história singular em um percurso profissional comum. O roteiro fornece poucas explicações sobre como Hortense conseguiu esse emprego, e avisa desde o início que ela vai abandonar o cargo pouco depois, por motivação própria. A grandeza do emprego, ou do palácio em que ela trabalha, é reduzida pelo diretor Christian Vincent a uma pequena cozinha, estrategicamente colocada no subsolo, abaixo da política. A câmera permanece nesse pequeno espaço, pouco iluminado, e ignora o mundo lá fora. Como a protagonista, o filme se dedica a uma receita simples, minimalista, que enxerga o luxo ao redor com estranhamento e desinteresse.

    Adotando um olhar próximo e humanista, Os Sabores do Palácio transforma-se em um não-evento. Esqueça as cenas de reality shows, com cozinheiros preparando pratos rapidamente, às vésperas um jantar importante, ou então os momentos com grandes refeições que dão errado. A experiência de Hortense é calma, pacífica, relativamente monótona. Ela tem tempo para cozinhar, tem os ingredientes que quer, e suas receitas são degustadas com prazer, por convidados invisíveis em algum cômodo ao lado. Este é o prazer curioso do filme: mostrar que por trás das aparências, dos longos corredores e das frases de educação e cortesia, existem pessoas quaisquer, trabalhando em empregos comuns. São excelentes as pequenas cenas em que Hortense se encontra com o presidente, e ambos conversam sobre o gosto de uma sopa caseira, por exemplo.

    Neste contexto, a atuação de Catherine Frot merece uma atenção especial. Uma das melhores atrizes francesas de todos os tempos, Frot transita com facilidade entre a comédia burlesca, o melodrama e o suspense. Aqui, ela encontrou uma medida contida de humor, com expressões mínimas, motivações implícitas e notável ausência de psicologia. Nunca se explica o apego de Hortense pelos produtos locais, ou sua relação ambígua, meio amigável e meio materna, com o ajudante de cozinha (Arthur Dupont). Esta mulher permanece um enigma, já que o filme não pretende explicá-la, apenas interpretá-la como peça de um maquinário gigantesco, ineficaz e mesmo absurdo, que é a presidência de um país grande como a França.

    Por fim, Os Sabores do Palácio lembra um conto kafkiano em tom agridoce, um pequeno espetáculo circense visto da coxia. Depois dos planos frenéticos e assustados no palácio, a câmera abandona os salões de mármore para encontrar a paz em planos lentos, contemplativos, quando Hortense opta pelo isolamento de uma embarcação, balançando ao som das ondas, ou quando arruma as suas coisas para deixar o trabalho (lindo momento, com a carta de demissão, evitando qualquer sentimentalismo barato). Este filme fascinante combina o roteiro dramático com a montagem e trilha sonora cômicas, a grandiosidade com a pequeneza, o público com o particular. E acaba traçando um belo olhar sociológico, representado pela emocionante conclusão, quando Hortense enfim ganha um reconhecimento simbólico por seu trabalho. É neste teatrinho de marujos, metáfora do grande teatro da política nacional, que o filme encontra sua analogia mais adequada e afetuosa.

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