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    Contágio - Epidemia Mortal
    Críticas AdoroCinema
    2,5
    Regular
    Contágio - Epidemia Mortal

    Morta e viva

    por João Vítor Figueira

    O cinema de gênero têm seus códigos e seu cânone. Falar em filmes de zumbi, por exemplo, remonta a uma tradição epitomizada em A Noite dos Mortos Vivos, longa-metragem lançado há meio século que até hoje inspira quase tudo que envolve esta seara de produções, de The Walking Dead ao videoclipe de “Thriller”. O filme de George A. Romero, de tão influente e inovador, criou um template facilmente reconhecível para representar os mortos-vivos. As criaturas cadavéricas que se arrastam de forma grotesca e intuitiva são uma imagem recorrente.

    Em Contágio - Epidemia Mortal (lançado na Netflix com o título Maggie: A Transformação), longa-metragem de estreia de Henry Hobson, a ideia é romper com estereótipos ou ressignificá-los. O passo lento de alguém afetado pelo vírus zumbi assume um outro sentido, representando mais uma morosidade de uma alma angustiada do que a putrefação do corpo em si. Existem ameaças externas aos protagonistas sim, mas o maior "vilão" é uma circunstância que não pode ser controlada. Estruturalmente, o longa-metragem deixa de lado os sustos previsíveis, o fetiche pela figura humana decomposta, o gore e até mesmo as cenas de ação para investir no drama. (Para fins de classificação, Maggie é mais um drama familiar pós-apocalíptico do que um terror.) O filme aponta para direções promissoras, mas sua narrativa é anêmica demais, o que prejudica o ritmo e o impacto das ideias trazidas pelo longa-metragem.

    Na trama, roteirizada por John Scott 3 (outro estreante na função), Arnold Schwarzenegger interpreta Wade Vogel, um homem rural do Meio-Oeste do Estados Unidos cuja filha foi infectada por um vírus "necroambulambista". Ciente de será um risco para seus familiares, a jovem Maggie, vivida por Abigail Breslin, foge de casa, mas é resgatada por Wade duas semanas depois. Ao encontrá-la, o homem desobedece as recomendações das autoridades, leva a filha de volta para o lar e se recusa a receber os policiais que querem encaminhá-la para uma quarentena de onde nenhum infectado sai curado ou com vida. O roteiro cria uma imagem tenebrosa na mente do espectador (que nunca é mostrada). Diz-se em um dos diálogos que na quarentena os infectados se devoram até a morte.

    A escalação de Schwarzenegger para o papel é quase uma outra dimensão do filme dentro dele mesmo. Ícone da hipermasculinidade explicitada por filmes de ação onde socos e tiros podem resolver qualquer problema, seu personagem não é definido por suas capacidades físicas. Por mais que ele seja filmado empunhando armas (de fogo ou não), há uma certa noção de debilidade nestes artefatos. Wade é basicamente impotente diante do avanço da doença da filha e não vai ser nenhuma altercação com policiais que vai mudar isso. A sensação de desconforto e urgência causada pela câmera na mão de Hobson casa com o retrato melancólico do personagem. Quando a câmera captura uma lágrima descer lentamente pelo rosto de um ator que representou a catarse alcançada pela força bruta, o momento de presumida autoconsciência, de intertextualidade com a persona fílmica do astro austríaco, engrandece o longa-metragem.

    Maggie não é o Gran Torino de Schwarzenegger (faltam muitas qualidades a este drama zumbi para chegar perto do nível do último grande filme de Clint Eastwood como ator), mas é uma oportunidade de ver o brutamontes de outrora atuar fora de sua zona de conforto.

    A verdadeira protagonista do filme, porém, é a personagem da atriz que despontou em Pequena Miss Sunshine. Se Schwarzenegger é o personagem que precisa se manter forte o tempo inteiro, cabe a Breslin exteriorizar de forma mais contundente o que está sentindo enquanto seu corpo (em um bom trabalho de maquiagem) definha.

    Maggie parece abrir mão das alegorias sociais e políticas que o tema dos zumbis permite para desenvolver um comentário sobre a infecção como um problema de saúde sem cura. Estar desenganada é o que faz de Maggie uma morta-viva. Ao propor um estudo de personagem nestas condições, o roteiro acerta em mostrar outros momentos da vida da garota e retirar o ponto de vista exclusivo do pai. Quando a jovem se encontra com um ex-namorado, também infectado, o beijo entre dois zumbis é retratado de forma respeitosa e bela. Estar vivo, afinal, é mais do que um diagnóstico. A boa atuação de Breslin é capaz de humanizar um papel que poderia ter sido resumido a choros e gritos.

    Entretanto, o tom macambúzio do filme, reforçado pela estética visual em tons de cinza e marrom e pela trilha sonora constante, não tem a geografia de altos e baixos necessária para fazer desta uma narrativa menos letárgica. O problema não é a falta de cenas de ação ou de sustos, afinal bons filmes não dependem apenas disso. O problema é que Hobson, como diretor, parece mais empenhado em criar um estado de espírito melancólico com cenas sem diálogos e construções visuais competentes, mas monótonas, do que adicionar nuances e relevo ao longa-metragem. Nem mesmo o dilema principal envolvendo a relação entre Wade e Maggie  consegue ser ter a tensão necessária. Somos cercados pela ideia de que o pai pode ter que intervir e dar cabo da vida da filha antes que o vírus avance, mas Hobson e Scott 3 parecem não ter coragem de abordar este complicado dilema moral do roteiro.

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