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    A Sombra Do Inimigo
    Críticas AdoroCinema
    1,0
    Muito ruim
    A Sombra Do Inimigo

    Psicologia é coisa de macho

    por Bruno Carmelo

    Este projeto surpreendeu por unir um diretor e dois atores muito distantes dos seus trabalhos habituais: o cineasta Rob Cohen, mais conhecido pelo bruto Velozes e Furiosos, decidiu investir em um suspense psicológico. O herói, Alex Cross, é vivido por Tyler Perry, acostumado às comédias de costumes (e frequentemente travestido de mulher, no papel da idosa Madea). Já o vilão, um assassino em série, é interpretado por Matthew Fox, que vivia o herói impassível da série Lost.

    Cohen inicia seu filme com uma exibição de virilidades: Alex Cross é visto com sua esposa, seduzindo-a e pedindo "um pouco mais daquilo que eu gosto", com voz lasciva. Seu parceiro de trabalho, Tommy (Edward Burns), aparece transando com uma bela garota. Já Michael, o psicopata, surge de lugar algum, derrota um lutador imbatível nos ringues e leva para cama a mais bela mocinha do local. Simples assim. A agressão e o sexo se encarregam de mostrar que esses personagens não estão de brincadeira.

    Estabelecido o contexto, chega a parte mais curiosa, e mais problemática do filme: a psicologia. Afinal, Alex Cross é um psicólogo perito em desvendar comportamentos humanos, e seu maior adversário é definido por sua psicopatologia: ele é descrito como um louco, um psicopata. Mas o conhecimento de psicologia dos roteiristas de A Sombra do Inimigo parecem se limitar aos seriados de televisão: para eles, um bom psicólogo é uma espécie de guru ou médium, que olha uma pessoa e diz "Você comeu omelete no café da manhã, depois trocou a roupa e chegou em casa mais cedo". Para o assassino, ele diz "Você certamente já experimentou a violência antes, quando era criança. Quando isso começou? Foi um animalzinho de estimação?" Hilário.

    Já o roteiro deste suspense evita, ironicamente, qualquer forma de suspense. Este é um território de facilidades: o vilão vem de lugar algum, sem motivações, ele está sempre no local onde se encontra Alex, pronto para se confrontar com ele. Dois magnatas surgem convenientemente, lá pela metade da história, para serem alvos do psicopata. As mulheres aparecem para transar com os homens e para serem vítimas. Com seu mundo artificial e personagens acessórios, A Sombra do Inimigo é uma espécie de ringue a céu aberto para dois homens duelarem, nada mais.

    Somam-se ao roteiro catastrófico algumas das atuações mais risíveis do ano: Tyler Perry está limitadíssimo em um papel dramático, Edward Burns é patético como o machista de plantão, e John C. McGinley ainda parece estar atuando como o médico sarcástico da série Scrubs. Mas o pior mesmo é Matthew Fox: ele arregala os olhos, expande as narinas, mostra as veias do pescoço. Dá para imaginar o ator compondo seu personagem, e Cohen falando: "Não, faz mais explícito! Mais forte! Faz cara de louco!". O pobre ator atingiu um limite de exagero que beira a paródia. Espero que o prestigioso prêmio Framboesa de Ouro se lembre de Fox na próxima cerimônia.

    O mais surpreendente é que Rob Cohen parece não ter percebido que seu filme é ruim. Muitas produções B reconhecem seu aspecto canastrão e se conduzem como diversões leves, sem grandes pretensões, mas A Sombra do Inimigo realmente acredita que está realizando o thriller psicológico da década. Cohen inclusive tenta se apropriar das artes clássicas sempre que pode: o herói toca piano, seu vilão é chamado de Picasso, por fazer belos desenhos, o clímax ocorre em um belo teatro antigo e vazio. Rumo à conclusão, o diretor retrata um diálogo com câmera na mão, girando a partir de um mesmo eixo de um rosto para o outro – uma escolha artística incomum em produções comerciais, muito usada por Jean-Luc Godard em Viver a Vida, por exemplo.

    Mas existe uma única bela cena neste filme, que merece ser mencionada. Ela ocorre justamente dentro de um carro, quando o veículo do herói e o do mocinho se chocam. A colisão inesperada é filmada do banco traseiro do veículo, gerando um efeito interessante, com imagens incomuns. Nesta hora, percebe-se que o diretor fica muito mais à vontade filmando máquinas do que humanos se comportando como máquinas.

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