Minha conta
    Aleluia
    Críticas AdoroCinema
    4,0
    Muito bom
    Aleluia

    O amor é perigoso

    por Bruno Carmelo

    À primeira vista, o personagem realmente perigoso nesta trama é Michel (Laurent Lucas), charlatão especializado em seduzir mulheres frágeis e roubar o dinheiro delas. Para conquistar seu objetivo, recorre a técnicas de magia negra. Um dia, ele encontra uma parceira à altura, a espanhola Gloria (Lola Dueñas), uma mãe divorciada que sucumbe rapidamente ao charme do ladrão. Mas a ligação entre eles vai além: quando Gloria descobre as atividades ilegais do novo namorado, incentiva-o a continuar, sendo uma espécie de ajudante.

    Aleluia possui alguns traços de Assassinos Por Natureza, Les Amants Criminels e Uma Relação Delicada, por associar o amor à violência, retratando o assassinato como um ato de cumplicidade. Mas o diretor Fabrice du Welz, especialista do cinema de horror, não deixa este idílio criminal correr sem percalços: o cineasta estabelece uma série de conflitos entre Michel e Gloria. Isso porque a assistente é ciumenta, e embora permita as traições em nome do dinheiro que poderão extorquir da vítima, acaba se revoltando diante do ato sexual de Michel com outras mulheres e mata as vítimas. Depois de um primeiro assassinato, é impossível voltar atrás: o casal foge e passa a buscar um novo alvo.

    A narrativa é dividida em capítulos com nome de mulheres. Nos sucessivos casos, espera-se que a vítima possa sair viva, mas os conflitos levam invariavelmente a momentos sangrentos e chocantes. Aleluia tem plena consciência de seu lado exagerado, trash, e os atores encarnam com perfeição esta ideia: enquanto Laurent Lucas compõe um tipo endurecido, de olhar furioso, Lola Dueñas se solta em expressões e gritos, fazendo do corpo uma expressão demoníaca da mulher obsessiva. O fato mais bonito, ou talvez o mais triste dessa história, é perceber que os planos da dupla são efetuados sem malabarismos: as pessoas solitárias são atraídas com facilidade pelo súbito afeto oferecido pelos desconhecidos. Abusa-se da confiança dos solitários.

    O ritmo acelerado e os momentos gore não fariam sentido sem uma direção talentosa. Fabrice du Welz, autor de obras controversas, possui um verdadeiro senso do estilo, filmando cenas de amor como quem mostra momentos de terror, e filmando cenas de terror como quem mostra o amor. É incrível ver a perversa cumplicidade dos dois quando cortam um cadáver, e a monstruosidade dos momentos de sexo com as vítimas. A narrativa perverte a noção cristã e benevolente do amor, transformando o afeto num instrumento de manipulação e objetificação do outro. Neste sentido, as cenas de catarse perto da fogueira ou o primeiro ato sexual em luz vermelha possuem uma beleza notável.

    Talvez a sucessão linear de vítimas esgote a impressão de novidade rumo à conclusão. Mesmo assim, o roteiro usa esses momentos de repetição para explorar a complexa psicologia de Michel e Gloria. É inteligente que o ponto de vista seja sempre aquele dos psicopatas: quer escolha mais maliciosa do que fazer o público torcer pela impunidade do casal sanguinário? O filme termina por questionar a moral da união e do sacrifício. Afinal, entre membros decepados e gritos de raiva, Aleluia não deixa de ser uma perturbadora história de amor.

    Filme visto na 6ª edição do My French Film Festival, em fevereiro de 2016.

    Quer ver mais críticas?

    Comentários

    Back to Top