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    Minha Irmã
    Críticas AdoroCinema
    4,5
    Ótimo
    Minha Irmã

    Uma pane social

    por Bruno Carmelo

    Embora o título brasileiro e a maioria dos títulos internacionais estejam ligados à palavra "irmã", o nome original deste filme é "L'enfant d'en haut", ou seja, "O garoto de cima". Este título tem um significado muito pertinente à história, não apenas pela separação entre em cima e em baixo, mas também por olhar o protagonista de um ponto de vista externo (ele é apenas "o garoto"), ao invés de descrevê-lo na primeira pessoa, fazendo de sua história algo particular (caso de "minha irmã").

    A questão da verticalidade já foi sublinhada em diversas mídias, desde que a produção foi selecionada no festival de Berlim em 2011. De fato, esta história sobre o pobre morador de um vale que sobe a uma estação de esqui para roubar objetos é a metáfora perfeita, e bastante evidente, da luta de classes, da dominação daqueles "de cima" (os ricos, geralmente turistas estrangeiros) sobre os "de baixo" (pequenos operários locais, do subúrbio). Inclusive, quando o pequeno teleférico que une esses dois mundos para de funcionar, não restam dúvidas sobre a simbologia da imobilidade e impermeabilidade sociais.

    Nem por isso Minha Irmã se limita a esta metáfora. Sua trama vai além de uma denúncia social em época de crise econômica, focando-se neste garoto, descrito pelo título como uma criança qualquer. Pelo fato de a pobreza ser observada sem julgamentos nem sentimentalismo, a produção foi bastante comparada aos filmes dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne, em especial A Criança e O Garoto da Bicicleta. No entanto, a diretora Ursula Meier, que já tinha marcado o panorama cinematográfico com seu primeiro filme, o magnífico Home, faz a escolha de analogias poéticas que distanciam a obra da frieza naturalista dos irmãos belgas.

    Aliás, quando o drama já apresentou em detalhes os seus personagens (Simon, o garoto que rouba os esquis e Louise, a irmã mais velha e acomodada, que vive de pequenos bicos), o roteiro traz uma reviravolta surpreendente. Este novo rumo poderia facilmente enveredar pelo melodrama, mas é segurado com destreza pela diretora, que obtém algumas das cenas mais marcantes do filme com o confronto dos irmãos face ao trauma. Os personagens ganham em humanismo e complexidade, sem que o roteiro se esforce para roubar uma lágrima sequer do público.

    Fazendo da situação financeira o principal motor narrativo, o roteiro aborda de maneira cruel as diversas trocas de dinheiro entre os protagonistas (lindíssima a cena em que o garoto paga para ganhar um abraço da irmã), além de incluir no horizonte de coadjuvantes tanto um pequeno cozinheiro que encoraja os roubos (Martin Compston) quanto uma mulher marcada por um humanitarismo realista e comedido (Gillian Anderson, em bela aparição). A trama exibe uma rara preocupação de representatividade social, evitando desprezar ou demonizar a burguesia que frequenta a estação de esqui. Neste sentido, o roteiro parece ainda mais maduro do que aquele de O Garoto da Bicicleta, com seus pais cruéis e suas cabeleireiras invariavelmente caridosas.

    Tanto Léa Seydoux quanto o jovem Kacey Mottet Klein são muito bem dirigidos, evitando o estilo de atuação afetado estilo Actor's Studio e tratando silêncios como tais, repousando seus corpos numa casa suja sem querer reforçar nem a miséria, nem o drama. Após dois longas-metragens apenas, Ursula Meier mostra uma direção extremamente madura, fazendo uso inteligente dos espaços e das elipses. Mesmo se Minha Irmã é um drama mais convencional do que o inventivo Home, ele apresenta um domínio da técnica e da narrativa impressionantes, além da capacidade de olhar para o mundo de maneira crítica e complexa, fugindo tanto do determinismo quanto do maniqueísmo.

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