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    Argo
    Críticas AdoroCinema
    4,5
    Ótimo
    Argo

    A História e sua imagem

    por Bruno Carmelo

    É difícil comentar ou explicar este filme aqui. A história é longa, rica em questões geográficas, históricas e religiosas. Ela percorre gêneros distintos como a comédia, o policial, o drama e o suspense. Além disso, existem filmes dentro do filme, ficções dentro da ficção, e uma responsabilidade com a memória americana, já que o filme ilustra fatos reais. Argo apresenta grande dificuldade para ser resumido em um trailer ou sinopse, mas ao menos essa complexidade indica um dado importante: esta é uma obra de grandes pretensões.

    Ao invés de contar toda a história, vamos dizer que ela se separa em partes. Começamos com uma animação clara e didática, acompanhada por uma narradora melancólica. (É curioso pensar que os desenhos se tornaram a linguagem mais facilmente acessível em diferentes culturas, sendo utilizada com frequência em filmes políticos). São apresentadas as situações políticas dos Estados Unidos e do Irã no final dos anos 1970, com um tom particularmente crítico ao intervencionismo americano. Segue uma primeira cena, surpreendente, da invasão de uma embaixada. O espectador é posicionado dentro do prédio, junto dos embaixadores apavorados. Sem gritos nem câmeras tremidas, Argo constrói apenas com a montagem uma tensão incessante, até o rapto dos personagens.

    Esta edição elegante e frenética revela a primeira qualidade do filme: a grande preocupação com o ritmo, mas em moldes clássicos, contidos, sem apelar para os efeitos pop à la Tarantino. O diretor Ben Affleck adota uma câmera participativa, que se posiciona sempre no centro da ação e acompanha cada gesto dos personagens, cada fala e objeto, com uma atenção incessante. O espectador, voyeur, é o único a conhecer as opiniões de todos, sem ser encorajado a acusar ninguém – algo louvável em uma obra política, principalmente em se tratando de um país demonizado pelas mídias, o Irã.

    Surge então a ideia improvável de resgatar os prisioneiros fazendo-os passar por profissionais de cinema, em plena produção um filme. Com bom humor e uma ironia mordaz, um especialista da CIA adota o primeiro roteiro improvável que vê ("Argo", uma ficção científica passada no Oriente Médio) e trata de simular a veracidade do projeto. Ao invés de se contentar com piadas fáceis sobre o falso glamour de Hollywood, Affleck vai além: ele compara a política com a representação cinematográfica, fazendo desta falsa e grotesca ficção científica um espelho do próprio filme que a engloba.

    Uma cena, tão bela quanto inteligente, trata de unir em uma mesma imagem estes dois discursos: enquanto atores fazem uma leitura dos diálogos da aventura estelar, um garçom passa pelo local e a câmera o acompanha, até chegar na cozinha, onde outro discurso está acontecendo, na tela de uma televisão. Estas novas palavras revelam uma garota iraniana mostrando que, para sua nação, os verdadeiros terroristas são os americanos. A montagem passa a alternar estas palavras: as falas sobre a "exploração do espaço sideral" no falso filme, e a fala contra a exploração do Oriente Médio proferidas pelos iranianos.

    Tanto Argo, o drama de Ben Affleck, quanto Argo, o falso filme-dentro-do-filme, são encenados, com ângulos escolhidos, com um discurso preparado para uma plateia específica. Sem ser didático nem moralista, Argo consegue refletir muito bem sobre a separação entre o real e sua representação em imagens, ou ainda entre os fatos e o discurso. Mais tarde, já nos créditos finais, os personagens da história são colocados lado a lado com verdadeiras imagens de arquivo, para que o espectador perceba justamente a proximidade nas imagens (os atores têm os mesmos cortes de cabelo, os mesmos óculos dos diplomatas reais), mas também a distância inevitável criada pela ficção. A reflexão metalinguística da obra torna-se ainda mais visível quando, na hora do tão esperado clímax (a cena do aeroporto), o roteiro evacua o suspense com relativa facilidade, proporcionando na verdade um anticlímax, uma rejeição do espetáculo.

    A recusa do "show", dos efeitos sonoros ou visuais que chamam atenção para eles mesmos, também é transferida para as atuações. Ben Affleck é generoso ao se dar o papel principal, mas o compõe com grande discrição, através de gestos simples e contidos. John Goodman e Bryan Cranston são atores excelentes que sempre vemos como coadjuvantes em bons filmes, e ficamos esperando que um dia tenham filmes só para eles. E Alan Arkin diverte com um papel que ele já interpretou diversas vezes, o do sujeito sarcástico e sem escrúpulos. Do bom roteiro à técnica eficaz, das atuações impecáveis ao olhar crítico à política, Argo representa o que a indústria americana consegue produzir de melhor nos dias de hoje.

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