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    Eu, Mamãe e os Meninos
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Eu, Mamãe e os Meninos

    Humor pós-traumático

    por Bruno Carmelo

    O cartaz desta comédia francesa apresenta apenas um ator: Guillaume Gallienne, que interpreta o protagonista quando jovem, quando adulto, além da mãe dele, a imperatriz Sissi e alguns outros personagens. O trailer também se concentra quase inteiramente na figura de Gallienne, que também é o roteirista e diretor. A origem do filme é uma peça solo de Gallienne (inspirada na história pessoal do artista, criado como uma menina pela mãe, e tratado por todos ao redor com certo desprezo polido por sua pretensa homossexualidade). Desde o início do projeto, Eu, Mamãe e os Meninos foi rejeitado por parte da crítica e do público como um puro exercício de narcisismo, uma oportunidade que o autor teria oferecido a si mesmo para superar seus traumas e brilhar no cinema.

    De fato, a obsessão pela figura de uma mesma pessoa surpreende – mas se justifica, em partes. Primeiro, porque o cineasta propõe contar a sua história, com transparência, de maneira assumidamente subjetiva. Nesse sentido, compreende-se que o ator também interprete a mãe adorada, além de outras figuras idealizadas por ele. Segundo, porque existe um claro sentido de autoparódia, de desconstrução da figura de si, como já fez muito bem Woody Allen, por exemplo – para citar outro diretor acusado de narcisismo no início da carreira. Gallienne atua no papel de si mesmo, depois no papel da mãe, e em seguida imita a si mesmo imitando a mãe. Em uma espiral metalinguística vertiginosa, ele constrói e desconstrói personagens diante dos olhos do espectador.

    Tudo isso seria cansativo, ou confuso, se o artista não tivesse um domínio formidável dos gestos, das expressões, da voz. É um prazer ver um ator tão à vontade nesses personagens, criando humor sem precisar recorrer à caricatura grotesca, ao exagero histriônico, como a comédia popular brasileira faz com tanta frequência. Para quem aprecia a construção de personagens, Eu, Mamãe e os Meninos parece um ensaio teatral aberto ao público, no qual o personagem explica a sua história e justifica cada traço de sua aparência e personalidade, como a maneira de se vestir, a voz, o penteado e mesmo a respiração entre as palavras.

    Para além do desfile curioso de personagens, a história chama a atenção por apresentar garotos efeminados, pais machistas, mães viris. Diante desses clichês em potencial, o ator consegue extrair humor da personalidade de cada um, e não do fato de serem gays/lésbicas/travestis etc. O protagonista se expõe, em primeira pessoa, enquanto representa as suas crises, seus momentos de dúvida, de crise, de humilhação. Transmite-se uma verdadeira ternura, pela confissão frágil e sincera do autor. Talvez o filme tenha comovido tantos espectadores por abordar de maneira frontal e bem-humorada uma história essencialmente dramática (um filho rejeitado pelo pai, manipulado pela mãe, infeliz com a própria sexualidade).

    É verdade que o material promocional, principalmente os trailers original e brasileiro, ressaltam as cenas mais cômicas, que beiram o pastelão (“Relaxe o ânus”!). Elas existem, e são até numerosas, mas alternam-se de maneira relativamente orgânica com outras mais silenciosas, de tom dramático e psicanalítico. Eu, Mamãe e os Meninos certamente tem as suas limitações narrativas, que incluem um momento esticado e um tanto monótono no centro, além de uma representação pobre de figuras que poderiam ser mais interessantes, como as tias e os irmãos. A estética tampouco traz algum refinamento além do timing cômico certeiro da montagem. Mesmo assim, esta comédia popular comprova que a vontade de fazer rir não impede a inteligência, a reflexão e o respeito ao outro.

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