Depois de receber boas críticas pela sua primeira produção, "A Faca na Água" (Nóz w wodzie, 1962), o diretor Roman Polanski decide sair da Polônia, por motivos políticos, e vai até a Inglaterra, onde produz o primeiro filme da antológica "Trilogia do Apartamento". Formada por "Repulsa ao Sexo" (Repulsion, 1965), "O Bebê de Rosemary" (Rosemary's Baby, 1968) e "O Inquilino" (Le locataire, 1976), a trilogia é extremamente reconhecida, dentro dos gêneros suspense/terror, pela forma na qual o diretor perturba o espectador. No primeiro filme, notamos a direção precisa e contundente de Polanski. Roteiro, atuação, fotografia, trilha sonora; todos os quesitos funcionam em perfeita sintonia, e o produto não poderia ser outro, a não ser deslumbrante. A degradação psicológica é a arma principal de Roman Polanski na tentativa de atordoar, com sucesso, o espectador.
A premissa se baseia na vida de Carol Ledoux (Catherine Deneuve), uma inocente menina que vive com a irmã, num apartamento, e que trabalha num salão de beleza perto de onde mora. No entanto, a dependência da irmã é colocada em risco, quando a mesma tem que viajar, e, por conseguinte, deixar Carol sozinha, por dias. Aos poucos, a inocente menina vai descobrindo outro lado da sua personalidade. Um lado extremamente obscuro, que vai trazer sensações e reações que ela nunca imaginou. De fato, uma viagem insana pela mente da protagonista, que resultou em um dos melhores filmes de terror psicológico que já fizeram.
Com um roteiro que consegue caminhar fora do convencional, Roman Polanski explora, de ponto a ponto, os traços que o enredo oferece. O primeiro ato, mesmo sendo lento, é fundamental para mostrar ao espectador, o caráter de cada personagem e o modo no qual eles se comportam. A inocência de Carol Ledoux, brilhantemente interpretada por Catherine Deneuve, é o ponto principal da trama. A protagonista representa a perfeição; não tem relações amorosas, é perfeccionista, é correta e, além disso, é muito bela, fisicamente. Não vemos defeito algum, durante o primeiro ato, e isso é brilhantemente programado pelo diretor, para o decorrer do desenvolvimento. Aos poucos, Polanski vai insinuando a degradação da personagem perfeita, a partir da essência sexual, de diversas formas possíveis. Quando Carol ouve sua irmã transando, a câmera se aproxima e foca no seu olhar. O olho é a janela da alma, e o enquadramento demonstra que a personagem fica inquieta, mediante à situação que a constrange.
Os takes curtos vão passando e, aos poucos, a face obscura de Carol começa a tomar conta da inocente protagonista. E justamente nesse ápice, que notamos o trabalho de câmera funcionando muito bem. Além das diversas passagens subliminares, as lentes das câmeras registram, de perto, as alucinações da protagonista. Essa proximidade é extremamente proposital, e traz um efeito claustrofóbico, devido à limitação do enquadramento. Além disso, quando ela entra nesse estado de transe, Polanski faz questão de retirar a trilha sonora e deixa apenas o badalar dos sinos, ou o barulho do ponteiro do relógio. Enquanto Carol se contorce alucinadamente, o espectador fica extremamente perturbado pela atmosfera criada.
Voltando para a outra parte da produção, a fotografia do Gilbert Taylor, que chegou a receber uma indicação no BAFTA, cria uma estética deslumbrante. Não digo isso apenas pelo fato de ser preto e branco, mas também, pela utilização da iluminação em certas cenas, além de outras representações dignas dos elogios recebidos. As rachaduras nas paredes, as mãos saindo por todos os lados, ilustrando o desejo que tenta se aproximar de Carol, demonstram um trabalho consciente do diretor, em transformar um simples apartamento, num ambiente insano e aterrador. Juntamente com a fotografia, temos o belo trabalho do Chico Hamilton, com a trilha sonora. Gradativamente, a melodia suave vai se transformando em notas pesadas que exaltam a mudança da drástica da protagonista.
Um trabalho surpreendente. Perturbador, intenso e envolvente. É difícil não ficar boquiaberto frente ao produto de alto nível. Polanski começa muito bem a "Trilogia do Apartamento", e já demonstrava que não era um diretor qualquer. Singularidade e Roman Polanski caminham lado a lado.