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    Crimes em Happytime
    Críticas AdoroCinema
    3,0
    Legal
    Crimes em Happytime

    Ecos da adolescência

    por Francisco Russo

    Imagine crescer à sombra da maior criação de seu próprio pai. Foi o que aconteceu com Brian Henson, que precisou dividir espaço com os atrapalhados Muppets, ícones do cinema e da TV eternizados por Jim Henson. Com o passar dos anos, Brian até mesmo dedicou parte de sua carreira aos adorados bonecos, dirigindo dois de seus filmes: O Conto de Natal dos Muppets e Os Muppets na Ilha do Tesouro, ambos na década de 1990. Entretanto, foi apenas com Crimes em Happytime que ele enfim deu seu grito de independência ao entregar um longa-metragem que não só demonstra inteligência, mas também uma boa dose de subversão em relação ao universo que conhece tão bem.

    Na verdade, não é difícil imaginar que Brian tenha escrito boa parte dos diálogos de Crimes em Happytime ainda durante a adolescência, como meio de extravasar em relação ao rígido ambiente ingênuo e bem-humorado dos Muppets. Com altas doses de malícia e sarcasmo, o longa-metragem investe em uma realidade onde humanos e fantoches convivem não tão harmoniosamente, abrindo espaço para abordar (de leve) questões como racismo e preconceito. Mais ainda: Crimes em Happytime não tem o menor pudor ao abraçar o politicamente incorreto, seja ao bater em crianças que praticam bullying ou mesmo ao apresentar o universo sexual dos fantoches - com cenas explícitas, por assim dizer.

    Diante de tal proposta, Brian ao mesmo tempo reverencia tudo o que foi criado pelo pai e também se desgarra de sua criação, ao subvertê-la de tal forma que torna-se quase irreconhecível - e este é o grande trunfo do filme. Já de início, ao conhecermos o detetive Phil Phillips, o espectador é convidado a uma narrativa que escancara o preconceito existente em um esforço contínuo de romper com o já conhecido, sempre remetendo aos alegres programas dos Muppets e Vila Sésamo - não por acaso, é neles baseado o show "The Happytime Gang", de grande importância na história. Palco também para uma sucessão de piadas ácidas acerca da sociedade atual, do embranquecimento de um dos fantoches à decadência após a fama quando jovem, passando ainda pelo vício em drogas, pornografia e até mesmo eventuais consequências de um casamento entre primos. Brian Henson oferece ao espectador um mergulho narrativo sombrio, por mais que visualmente seja sempre amenizado pela constante presença de bichos de pelúcia.

    Esta dicotomia é o que o filme entrega de mais interessante, especialmente pelos esforços em ultrapassar limites pré-concebidos no imaginário coletivo. Desenvolvido como se fosse um filme noir estrelado por fantoches, Crimes em Happytime entretém enquanto surpreende, seja pelo que mostra ou pelos trocadilhos infames e ácidos que surgem aqui e ali. Não por acaso, Melissa McCarthy acaba sendo vítima de tal proposta. Enquanto contracena com fantoches, especialmente na parceria aos trancos e barrancos com Phil, ela até funciona dentro da narrativa, mas toda vez que ganha os holofotes sozinha o filme cai vertiginosamente. Não são os humanos os verdadeiros protagonistas desta história.

    Ousado e sacana, Crimes em Happytime é um filme que apenas existe graças à história de vida muito particular de seu criador, que soube lidar com tudo que aprendeu ao longo de décadas para criar algo novo que, ao mesmo tempo, seja revisionista e inédito. Mesmo com alguns excessos, trata-se de um filme que merece aplausos pela coragem em romper, seja pelo lado afetivo ou pelo que se conhece de antemão.

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