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    Titeuf - O Filme
    Críticas AdoroCinema
    3,5
    Bom
    Titeuf - O Filme

    Pensar como criança

    por Bruno Carmelo

    Entre as animações atuais feitas pelos grandes estúdios americanos, é recorrente a preocupação em fornecer lições às crianças, além de diverti-las. Muitos filmes ensinam a respeitar os pais, amar o próximo, valorizar a ecologia etc. Talvez os pais apreciem este valor adicional acrescentado à experiência cinematográfica, mas o fato é que o cinema nunca teve obrigação moral, nem vocação artística para servir como instrumento útil para quem quer que seja – nem para as crianças.

    Neste sentido, é ótimo ver uma obra como Titeuf – O Filme, que não tem nenhuma lição de moral para os pequenos. Apesar de sua aparência tradicional e trama simples, o principal destaque dessa obra é o grande respeito à figura da criança. O diretor não olha seus personagens com arrogância ou condescendência, mas de igual para igual. O filme é visto inteiramente pelos olhos do personagem principal, o que implica não condenar seus atos e tratar eventos que seriam banais para adultos – o fato de não ser convidado para a festa de niversário de uma colega – com a seriedade que as crianças atribuem ao assunto.

    Melhor do que isso, os assuntos difíceis que a trama aborda, como o divórcio e a primeira rejeição amorosa, são vistos em um contexto neutro, sem julgamentos. Uma cena reflete bem esta escolha: frustrado com as brigas em casa, Titeuf urina no tapete da sala de estar. O pai, furioso, fica perguntando o porquê desta atitude, mas o espectador já tinha acompanhado, há muitas cenas atrás, os fatos que encorajaram este comportamento – no caso, um colega tinha comentado algo sobre urinar como sinal de marcar território, como liberdade de expressão, algo que os grandes chefes fariam etc.

    Longe da lógica opressiva dos adultos ("Ele fez algo errado, logo deve ser punido") ou da lógica paternalista dos psicólogos ("Ele fez algo errado, logo deve ser tratado"), o filme aceita Titeuf como ele é. Se alguém tem algo a aprender nesta história, são os pais amargurados, os avós pouco amorosos, o psicólogo oportunista. O mundo adulto parece estranho, inacessível – algo perfeitamente concebível para uma trama sobre o mundo infantil. Ironicamente, esta é uma das animações que trata com maior maturidade da questão do divórcio e da perda da inocência, justamente ao adotar a perspectiva de uma criança.

    As vozes originais são outro fator de destaque. Na sessão legendada de Titeuf – O Filme, o espectador pode conferir a magnífica construção de personagem que o dublador Donald Reignoux faz para Titeuf. O tom não é nada naturalista, a entonação é disforme e áspera, mas funciona a separar o mundo dos pequenos – mais colorido, divertido, lúdico – do mundo chato dos adultos, com suas vozes realistas e paletas de cores neutras. Depois de outra animação francesa com excelente dublagem (O Gato do Rabino, em 2012), fica a impressão de que o país está executando um trabalho notável nesta área, e também que os dubladores mereceriam mais atenção e prestígio artístico do que recebem hoje.

    Apesar de tantas qualidades ao longo de 75 minutos de projeção, é uma grande pena que os últimos 10 minutos desperdicem o cuidadoso trabalho feito pelo diretor até então. Como em um passe de mágica, os problemas que existiam se resolvem, as pessoas que se detestavam passam a se amar, e o imperativo do final feliz se sobrepõe ao retrato verossímil da infância. Fica um gosto amargo, mas capaz de revelar que nem uma obra aparentemente ousada como esta consegue escapar às regras impostas pelo mercado das animações infantis.

    Na França, Titeuf – O Filme recebeu críticas negativas, baseadas no fato de que a história cinematográfica não acrescentaria quase nada ao desenho televisivo e aos gibis. Já no Brasil, onde o personagem é pouco conhecido, os espectadores podem ter a boa oportunidade de conhecer este universo incomum. Resta saber se a produção vai conquistar o público nacional. Os obstáculos são grandes, a começar pelo título, difícil de pronunciar, e que não evoca nada conhecido. Outro problema: as exibições legendadas conservam as ótimas vozes originais, mas não devem despertar o interesse do público infantil.

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