Roger Moore foi um grande James Bond. Apesar de muito criticado por alguns, que não viam as características que Sean Connery – seu antecessor – tinha – Moore era acusado de ser brincalhão e debochado demais; o que poderia se justificar em seus dois primeiros filmes, Viva e Deixa Morrer (1973) e O Homem da Pistola de Ouro (1974), ambos escritos de uma forma que se tinha a impressão de serem longas estrelados por Connery – distorcendo muito a personalidade de Roger, como na estranha cena de The Man With The Golden Gun, na qual Bond torcia o braço de uma garota para conseguir informações sobre o paradeiro do vilão – fácil imaginar a persona de Sean Connery fazendo isso – mas quase intragável ver Roger assumindo tal função desta forma.
Após as criticas negativas e uma bilheteria não tão boa de 007 Contra o Homem da Pistola de Ouro, os produtores da série viram que precisavam de algo que desse uma erguida e atualização para a franquia – tal busca por novidades levou o produtor Harry Saltzman a desfazer sua parceria com Albert R. Broccoli, que continuou sozinho então – Broccoli decidiu adequar os roteiros para Moore – o que deixou a trama deste O Espião Que Me Amava perfeita para o ator se consolidar como James Bond.
Aqui Roger Moore tem a chance de desenvolver de forma coerente sua verve cômica e de conquistador – mesmo que Bond seja um homem que não consiga se relacionar “sério” com quase nenhuma mulher (ele só fez isso três vezes na franquia, dentro de vinte e quatro filmes, em mais de cinquenta anos!), era bem visível que tratava as Bond-Girls de uma maneira mais carinhosa do que Connery, ao menos – isso compensava o físico menos “trabalhado” de Moore, que admitia detestar participar das cenas de ação – aqui em The Spy Who Loved Me é visível como ele não gostava, principalmente em um momento em que chega a piscar os olhos usando uma metralhadora – oras, que super agente secreto ousaria piscar em meio à um tiroteio?
Mas isso não é um problema quando a proposta de um filme é justamente a de ser descompromissado. Tomando as rédeas da franquia agora pelos “domínios do absurdo”, o diretor Lewis Gilbert – que já havia dirigido outro filme da série dez anos antes, Com 007 Só Se Vive Duas Vezes – conduz com habilidade uma trama que tem um ritmo mais alucinante do que qualquer outra história de Bond feita até então – eu facilmente citaria este filme como um dos principais filmes de ação do século XX, tamanho o seu cuidado de ritmo, atuações e cenas grandiosas envolvendo sets gigantescos (o navio tanque do vilão), construídos pelo lendário Ken Adam, no lendário Pinewood Studio, na Inglaterra.
Permeado por locações na Áustria, Egito, Itália e nas Bahamas (onde as cenas subaquáticas foram filmadas), este décimo filme da franquia começa com Bond fugindo de espiões russos nos alpes austríacos, onde Bond mata um deles, que é o namorado da major e agente russa Anya Amasova (Bach). Voltando para Inglaterra, 007 toma conhecimento de que um submarino nuclear inglês e outro russo desapareceram misteriosamente – levando Bond até o Egito e descobrindo o envolvimento do bilionário Stromberg (Jurgens), que planeja destruir a civilização e iniciar uma nova debaixo do oceano. James acaba encontrando Anya no meio da missão e se aliam – sem a major saber que Bond era o assassino de seu ex-namorado.
Em se tratando de um filme que esquece as formas realistas que o autor dos livros originais Ian Fleming inseria em seus livros – inclusive, este longa se apropria apenas do titulo, pois sua trama não tem relação alguma com o livro de mesmo nome – o diretor sabe administrar com precisão todos os elementos absurdos da história – vilão (sinistramente vivido pelo alemão Curd Jurgens) com um plano de destruir o mundo, um capanga memorável (e enorme) com dentes de ferro – o Jaws de Richard Kiel é um dos personagens mais queridos da série, mesmo sendo um parceiro do vilão – fora os gadjets malucos – a Lotus Sprit que se transforma em submarino influencia até hoje os jogos de vídeo game do agente secreto – a cena com o carro, a perseguição de skis antes dos créditos iniciais (que, aliás, é uma dos melhores da série), com um salto de paraquedas memorável ao fim, e o final no navio-tanque de Stromberg são momentos antológicos da franquia – e do cinema também.
Todas essas características dão certo em The Spy Who Loved Me porque estão bem inseridas e medidas – sem deixar-se cair para um clima que poderia deixar tudo ridículo – nesse sentido, é importante a inserção e características dos personagens – a Major Anya (a agente Triplo-X) representa um salto importante para a importância das Bond-Girls na série – ela tem as mesmas características de Bond e, realmente, o ajuda a investigar o caso – não sendo o velho clichê de “garota em apuros” já em plena década de 70 – e fica mais interessante ainda sua relação com Bond quando ela finalmente descobre que James matou seu ex-amante – que funciona devido a boa química da atriz com Moore – particularmente, gosto da cena quando Anya lembra que Bond já foi casado e ele reage evitando o assunto, já que sua esposa foi morta em A Serviço Secreto de Sua Majestade (1969) – dialogo que lembra que, mesmo em meio aos absurdos, Bond ainda é um ser humano e deixa certas emoções aparecerem. Além do fato de ser bem fora do padrão da época não colocar os russos da antiga União Soviética como vilões, mas sim, como aliados.
Com excelentes (e inesquecíveis) cenas de ação, personagens interessantes em meio a uma trama absurda – que não chega a ser das mais criativas, já que vilões que roubam artefatos das superpotências já foram vistos em outros dois filmes da série – e um ritmo fluente, 007 – O Espião Que Me Amava comprova que Roger Moore merece ser eternizado como James Bond – e contribuiu de maneira inestimável para que a franquia continuasse e se mantivesse até os dias de hoje – de fato, a sua maneira e estilo, como a antológica canção-tema de Carly Simon diz: “Ninguém faz melhor”.